Produção característica do atual cinema independente norte-americano, “Rio Congelado” (2008) é o tipo de filme pronto para ganhar o Festival de Sundance. Sem maiores ousadias formais, concentra-se em um roteiro intimista, mas com fortes teores de crítica social, ao mesmo tempo que apresenta uma rigorosa e sóbria direção de fotografia que consegue extrair belas imagens das geladas e áridas paisagens das fronteiras do local onde se desenrola a trama. Além disso, a cineasta Courtney Hunt obtém seqüências de forte tensão nos momentos em que focaliza a protagonista Ray (Melissa Leo) fazendo a transposição ilegal de imigrantes.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quarta-feira, setembro 30, 2009
Território Restrito, de Wayne Kramer **
“Território Restrito” (2008) até que é um filme bem feito em alguns termos técnicos, mas ao mesmo tempo causa pouca empatia por ser derivativo e oportunista. Afinal, essas narrativas mosaicos com temática politicamente correta já foram utilizadas à exaustão em outras obras como “Babel” (2006) e “Crash” (2004). E ter como modelo filmes que nem ao menos são bons não é um promissor prenúncio... A produção tem a ambição de abarcar uma série de questões relevantes (imigração ilegal, terrorismo, corrupção, racismo, intolerância religiosa) numa mesma trama envolvendo diversos personagens que ao longo da trama se entrecruzam, mas a junção desses elementos é pouco orgânica. O cineasta Wayne Kramer parece buscar legitimidade pela importância do “conteúdo” que aborda, mas esquece de dar um estofo formal de peso para que o seu filme seja memorável.
domingo, setembro 27, 2009
Rififi no Harlem, de Ossie Davis ***
“Rififi no Harlem” (1970) é um dos mais conhecidos filmes do auge da blackexploitation. Apesar do título em português fazer pensar em uma produção no gênero policial, o que predomina mais é a linha humorística de uma comédia de erros. Na trama, enfoca-se uma série de elementos da cultura black norte-americana, numa visão crítica sobre algumas das mazelas típicas da comunidade (repressão pela policia, exploração de picaretas líderes religiosos), mas sem nunca esquecer o lado cômico com uma série de qüiproquós bem divertidos. Mesmo não tendo a excelência artística de obras como “Shaft” (1971) e “Sweet Sweetback's Baadasssss Song” (1971), “Rififi no Harlem” é um belo exemplar do gênero blackexploitation.
Baadasssss Cinema, de Isaac Julien ****
Esse documentário norte-americano de 2003 é uma aula apaixonada e esclarecedora sobre o movimento cinematográfico blackexploitation. O cineasta Isaac Julien combina de forma objetiva e com tremenda sensibilidade trechos das principais obras, imagens de arquivos e depoimentos, compondo um belo panorama sobre o gênero que, apesar de marginalizado como menor, tem uma considerável legião de fãs e ainda consegue exercer uma influência estética sobre o cinema atual. Julien explora muito bem o lado didático do seu filme, buscando explicações econômicas e sociológicas para refletir sobre a ascensão, apogeu e queda dessas produções setentistas voltada para o público negro (mas que acabava evidenciando um apelo universal), sem nunca esquecer um lado bem humorado ao revelar algumas anedotas e fofocas de bastidores. O diretor não adota uma postura de pura exaltação do gênero, procurando também mostrar as contradições que contribuíram com o fim da blackexploitation. No mais, não dá para deixar de destacar momentos antológicos como a entrevista com Tarantino, em que ele esmiúça a sua visão muito pessoal sobre o gênero além de relacionar o mesmo com a realização do extraordinário Jackie Brown, sua homenagem a esse universo. E é claro que num filme com uma temática como essa não poderia faltar uma arrasadora trilha de black music, com algumas das pepitas sonoras que iluminaram boa parte dessas películas.
quinta-feira, setembro 24, 2009
The Darker Side of Black, de Isaac Julien ***1/2
Mesmo se utilizando de um convencional formato de documentário televisivo, o diretor Isaac Julien consegue um resultado impressionante e contundente em “The Darker Side of Black” (1995) ao focalizar o universo de cantores de rap e reggae que fazem do homofobia um dos tópicos principais das letras. Concentrando-se basicamente em entrevistas e vídeos musicais, Julien constrói um assustador retrato sobre o preconceito. Os artistas não têm quaisquer receios em justificar os seus motivos, indo de preceitos religiosos até a simples repulsa. O filme é perturbador no sentido de que mesmo que se fique espantado com as opiniões de alguns dos entrevistados, há também um grau de atração pelo encanto rústico e agressivo de algumas dessas canções que são verdadeiras odes ao ódio. Não há como não fazer o paralelo com outros gêneros como o samba, o rock e o blues que por um bom tempo tiveram, por exemplo, a misoginia como um dos seus motes criativos.
Foxy Brown, de Jack Hill ***1/2
Dentro do gênero blackexploitation, “Foxy Brown” é uma das obras mais bem acabadas e representativas. A trama de vingança da personagem título é o pano de fundo ideal para um filme recheado de muita ação, violência e sensualidade em seqüências orquestradas com habilidade pelo cineasta Jack Hill, e claro que temperado por aquele espírito fuleiro típico das produções B dos anos 70 (aliás, isso não é de se estranhar, pois Hill havia aprendido muito com o mestre Roger Corman, com quem havia trabalhado nos anos 60). Pam Griem podia não ser uma grande atriz na época, mas mesmo assim ela tem uma presença de cena exuberante na pele da protagonista pela sua beleza e carisma. E como todo bom filme da era blackexploitation, “Foxy Brown” conta com uma trilha sonora climática e cheia de balanço, dessa vez a cargo do excelente soulman Willie Hutch.
O Retorno de Sweetback, de Mario Van Peebles ***
“O Retorno de Sweetback” é a recriação dramática dos bastidores da realização de “Sweet Sweetback's Baadasssss Song” (1971), de Melvin Van Peebles, o clássico filme que deu o pontapé inicial no gênero blackexploitation. Mario Van Peebles, filho de Melvin e que participou como ator mirim em “Sweet Sweetback’s....”, narra de forma empolgante e bem humorada todas as peripécias financeiras e artísticas que Melvin fez para conseguir transformar uma produção independente e recheada de temas tabus (sexo, violência, racismo) em um grande sucesso comercial e artístico. Ao contrário da obra que homenageia, “O Retorno de Sweetback” não prima por uma linguagem experimental ou inovadora, mas sua narrativa clássica e bem ajustada oferece uma visão fascinante sobre o lado B do universo cinematográfico e honra com sensibilidade a figura fascinante de Melvin Van Peebles
segunda-feira, setembro 21, 2009
Nome Próprio, de Murilo Salles ***1/2
Confesso que nunca gostei dos escritos de Clarah Averbuck. A impressão que tenho assistindo a “Nome Próprio” (2008), produção brasileira baseada nos livros “Máquina de Pimball” e “Vida de Gato”, é que Murilo Salles também tem a mesma opinião... O interesse do cineasta não é exatamente pelo texto em si da obra literária de Averbuck, mas na conexão que se dá entre esse texto e a própria vida da autora. Vemos a vida desregrada de Camila, alter ego da escritora, e a forma com que esse caos se transforma em literatura.
Salles explora ambigüidades ao extremo. Vai do hedonismo sensual da intensa vida íntima da protagonista até momentos de profunda solidão e abandono. Camila também consegue ser selvaticamente sexy e encantadora em determinadas seqüências e em outras se converte em uma deprimente e neurótica desmiolada que enche o saco de todo mundo. A dicotomia atração e repulsa parece ser a força motriz do que Camila escreve e também é a base conceitual de “Nome Próprio”. Salles administra essa verdadeira montanha russa de sensações e sentimentos com maestria, indo do registro simples e de tons naturalistas do quotidiano atribulado de Camila até a uma busca por uma linguagem experimental, principalmente quando procura fundir cinema e literatura ao dar visibilidade às palavras sendo tecladas diretamente no que está enquadrado pela câmera. Sua narrativa é envolvente e também perturbadora: parece questionar constantemente o modus operandi de Camila, além de progressivamente, através de pequenos detalhes cênicos, confundir o próprio espectador sobre a “verdade” daquilo que estamos assistindo – será que Camila realmente viveu tudo aquilo ou é apenas ela se transformando cada vez mais em ficção??
Salles também foi particularmente feliz ao escolher Leandra Leal para o papel de Camila. A atuação da atriz é de uma dimensão quase de possessão: intensa e feroz, mas também transpirando fragilidade emocional, Leal busca a naturalidade a qualquer preço – sua expressividade não é apenas facial, mas totalmente corporal (poucas vezes se viu uma atriz ficar tanto tempo nua como se fosse algo tão natural). A impressão é que ela conseguiu ser mais Clarah Averbuck que a própria Clarah!
Por falar nela, dizem que Averbuck ficou descontente com o resultado final de “Nome Próprio”. Ora, ela devia agradecer ao Salles por ter sua obra revigorada de forma tão extraordinária!
Salles explora ambigüidades ao extremo. Vai do hedonismo sensual da intensa vida íntima da protagonista até momentos de profunda solidão e abandono. Camila também consegue ser selvaticamente sexy e encantadora em determinadas seqüências e em outras se converte em uma deprimente e neurótica desmiolada que enche o saco de todo mundo. A dicotomia atração e repulsa parece ser a força motriz do que Camila escreve e também é a base conceitual de “Nome Próprio”. Salles administra essa verdadeira montanha russa de sensações e sentimentos com maestria, indo do registro simples e de tons naturalistas do quotidiano atribulado de Camila até a uma busca por uma linguagem experimental, principalmente quando procura fundir cinema e literatura ao dar visibilidade às palavras sendo tecladas diretamente no que está enquadrado pela câmera. Sua narrativa é envolvente e também perturbadora: parece questionar constantemente o modus operandi de Camila, além de progressivamente, através de pequenos detalhes cênicos, confundir o próprio espectador sobre a “verdade” daquilo que estamos assistindo – será que Camila realmente viveu tudo aquilo ou é apenas ela se transformando cada vez mais em ficção??
Salles também foi particularmente feliz ao escolher Leandra Leal para o papel de Camila. A atuação da atriz é de uma dimensão quase de possessão: intensa e feroz, mas também transpirando fragilidade emocional, Leal busca a naturalidade a qualquer preço – sua expressividade não é apenas facial, mas totalmente corporal (poucas vezes se viu uma atriz ficar tanto tempo nua como se fosse algo tão natural). A impressão é que ela conseguiu ser mais Clarah Averbuck que a própria Clarah!
Por falar nela, dizem que Averbuck ficou descontente com o resultado final de “Nome Próprio”. Ora, ela devia agradecer ao Salles por ter sua obra revigorada de forma tão extraordinária!
Jacquot de Nantes, de Agnès Varda ***
Essa produção francesa de 1991 é uma criativa cinebiografia do realizador Jacques Demy dirigida pela esposa do mesmo, Agnès Varda. Concentrando-se na juventude de Demy, o filme enfoca de forma esparsa e fragmentada alguns episódios desse período da trajetória do cineasta, ao mesmo tempo que insere trechos de algumas da principais obras dele como “Os Guardas-Chuva do Amor” (1964) e “Pele de Asno” (1970), com Varda fazendo uma conexão poética entre a vida e a cinematografia de Demy. Essa relação acaba se revelando essencial no sentido em que capta a tensão artística que sempre marcou a filmografia do diretor: uma dicotomia entre o real e a fantasia, em que a música poderia irromper de forma inusitada no meio do mais corriqueiro e banal quotidiano.
Blacula, de Willian Crain ***1/2
Opiniões mais preconceituosas e rasteiras costumam rebaixar “Blacula” (1972) apenas como uma mera curiosidade trash do movimento blackexploitation, o que é na verdade um equívoco. É claro que o filme, mesmo se inspirando na figura de Drácula, está muito distante de ser um filme de horror, estando mais enquadrado no gênero comédia. E nesse estilo cômico, funciona que é uma beleza. O diretor Willian Crain domina com habilidade tanto a ação altamente movimentada de algumas seqüências quanto os momentos irônicos de tiração de sarro com clichês das obras clássicas de terror ou de estereótipos do comportamento dos blacks. E para completar, a trilha sonora movida a soul e funks faiscantes é extraordinária e já valeria por si só o preço do ingresso.
Marco Ferreri - O Diretor Que Veio do Futuro, de Mario Canele ***
Tentar enquadrar a figura de Marco Ferreri, cineasta afeito ao bizarro e ao surreal, em um simples documentário não é das tarefas mais fáceis. A produção italiana “Marco Ferreri – O Diretor Que Veio do Futuro” (2007) cumpre essa missão com considerável sucesso. O diretor Mario Canale consegue narrar a vida e a obra excêntricas de Ferreri através de depoimentos preciosos de colegas, amigos e do próprio biografado e de imagens antológicas de alguns de seus melhores filmes. Canale estabelece a conexão precisa da estranha visão de mundo e de cinema que vem das palavras de Ferreri com o resultado final de tais concepções em seus filmes. Tanto para velhos admiradores como para neófitos, o documentário é esclarecedor sobre a obra de Ferreri, assim como diverte pelo tom bem humorado de algumas seqüências.
Tandoori Love, de Oliver Paulus **1/2
Essa produção suíça de 2008 apresenta uma insólita e divertida combinação de comédia romântica tipicamente ocidental com musical desvairado de Bollywood. Por mais indigesta que possa parecer essa mistura, o filme cativa justamente pelo enquadramento da sisudez e falta de molejo tipicamente europeus em meio a uma ambientação exageradamente colorida e irreal das produções indianas, o que acaba rendendo alguns momentos hilariantes de dramas ingênuos e comicidades desajeitadas. “Tandoori Love” está longe de ser uma obra-prima, mas também transcende a simples curiosidade cultural.
A Era da Inocência, de Denys Arcand ***1/2
O cineasta canadense Denys Arcand deve ter ficado de saco cheio de ser levado tão a sério com o superestimado melodrama humanista “As Invasões Bárbaras” (2003). Em “A Era Inocência” (2007), permanece a sua visão crítica sobre a sociedade contemporânea, mas dessa vez moldada em uma forma mais irregular e sardônica. Prevalece no filme um tom que varia entre o surreal e o jocoso sobre a vida fútil e frustrante do homem moderno, geralmente pontuado também pelo gosto pelo politicamente incorreto. As melhores seqüências do filme são justamente aquelas que investem pesadamente nesse lado irônico mais ofensivo, principalmente nos delírios misóginos que o protagonista Jean-Marc LeBlanc (Marc Labrèche) tem com as mulheres que o oprimem (esposa, sua chefe executiva, suas colegas de trabalho, uma possível amante pirada que acha que é uma lady da Idade Média). O ponto fraco de “A Era da Inocência” é justamente quando Arcand ameniza a sátira para tentar passar alguma “lição de vida” para LeBlanc. Mesmo assim, é uma obra que serve como um bem vindo refresco humorado e sacana para Arcand depois daquele excessivo incensamento da crítica e do público pós-“As Invasões Bárbaras”.
A Princesa de Nebraska, de Wayne Wang ***
Aqueles que se recordam do cineasta chinês Wayne Wang pelo melodrama “O Clube da Felicidade e da Sorte” (1993) levarão um susto com “A Princesa de Nebraska” (2007). Wang abandonou o tom lacrimoso e o formato acadêmico de sua obra mais conhecida e adotou um estilo seco e uma visão mais amarga para retratar a trajetória de uma garota chinesa grávida e misteriosa percorrendo recantos sórdidos de uma cidade norte-americana. O tom granulado da fotografia e os enquadramentos simples e eficientes nas cenas reforçam a abordagem do diretor que oscila entre o real e o poético.
Santos e Demônios, de Dito Montiel ***
O escritor Dito Montiel não se fez de rogado e tratou dele mesmo adaptar para o cinema algumas passagens autobiográficas de sua adolescência e da sua vida adulta, indo das confusões que se envolvia com o seu grupo de amigos delinqüentes num violento bairro novaiorquino até o seu difícil relacionamento com o pai. Montiel não cai em auto-indulgências fáceis: sua visão sobre a sua vida é crua e dramática, sem que o autor se poupe das suas responsabilidades. A forma dinâmica com que filma tanto as seqüências mais agitadas de brigas e encrencas quanto os momentos mais intimistas faz com que “Santos e Demônios” não caia num monótono e lamentoso relato sobre as agruras de um adolescente rebelde sem causa. Outro destaque da produção é o seu elenco, tanto pelas atuações vibrantes dos atores mais jovens quanto pelas interpretações sanguíneas e cheias de nuance de Robert Downey Jr., Chaz Palminteri e Diane Wiest.
Pablo e Virginia vão à Lujan, de Lilian Saura Ivachow **
Essa produção argentina de 2008 apresenta um tratamento quase documental para uma história singela e banal. Pablo e Virginia se conhecem durante uma peregrinação para a cidade Lujan, falam sobre coisas corriqueiras e sobre as suas vidas, trocam impressões pessoais, separam-se no outro dia e voltam a se encontrar no retorno a suas casas. A diretora Lilian Laura Ivachow filma com competência, a trama encanta de vez em quando pela sua simplicidade, mas o filme não tem maiores arroubos formais e aborrece em várias seqüências. No final das contas, “Pablo e Virginia vão à Lujan” vale mais como curiosidade pelas suas limitações de produção barata do que necessariamente pelas suas qualidades artísticas.
domingo, setembro 06, 2009
Terra Mãe, de Ermanno Olmi ***1/2
A primeira metade desse documentário italiano de 2009 chega a parecer quase um vídeo institucional. O veterano cineasta Ermanno Olmi concentra sua lente em fóruns, debates e entrevistas tendo por tema a questão ambiental. Isso não quer dizer, entretanto, que “Terra Mãe” é uma coletânea de aborrecidos depoimentos politicamente corretos. A dinâmica cinematográfica que Olmi consegue obter é notável, enfatizando muito a contundência da complexidade das discussões ecológicas. É na metade final do filme, contudo, que estão reservadas os melhores momentos. O diretor dispensa os diálogos e apenas enfatiza as imagens bucólicas de uma fazenda no interior da Itália. Focalizando uma natureza naquilo que ela tem de mais misteriosa e bela, num registro seco e direto, mas também apaixonado, as cenas concebidas por Olmi são a prova incontestável da verdade de todos os discursos bradados no início de “Terra Mãe”. Por mais que alguns possam acusar o documentário de panfletário ou ingênuo, a realidade é que a sua engenhosa arquitetura narrativa é cativante e eficiente na defesa do seu ponto de vista.
9 mm., de Taylan Barman ***1/2
A cena de abertura de “9 mm.” (2008) é seca e objetiva: no corredor de um prédio, a câmera focaliza uma porta de apartamento e um tiro é ouvido. A partir desse instante, a trama do filme retroage algumas horas e daí os motivos que levaram ao disparo da arma aos poucos serão esclarecidos. Essa descrição da narrativa dessa produção belga pode levar a crer que a mesma se trata de um filme policial. E é justamente aí que está um dos grandes méritos do filme: o que se assiste é um drama sobre a desintegração de uma família formatado numa estrutura de filme policial. Não há como não lembrar da declaração de Truffaut sobre Hitchcock em que ele dizia que o velho mestre inglês dirigia histórias de amor como filmes de suspense ou realizava produções de suspense como filmes de amor. O diretor estreante Taylan Barman surpreende ao conduzir sua trama com uma dinâmica tensa e meticulosa. Sua câmera é investigativa, parecendo não querer perder nenhum detalhe da trajetória descendente de seus personagens. Na maior parte dos momentos, pai, mãe e filho são apresentados em ações isoladas, mas que refletem sutilmente a relação desestabilizada entre eles. Quando interagem, a naturalidade dos seus atos é brutalmente coerente, fazendo da tragédia anunciada no início do filme a conseqüência inevitável de uma convivência degradada.
Home, de Ursula Meier ****
“Home” (2008) é uma verdadeira jornada dentro da loucura humana. A trama é altamente insólita: uma família de desequilibrados e que tinha tudo para ser disfuncional vive isolada em estranha harmonia em uma casa que fica à beira de uma auto-estrada abandonada. Jogando hockey no asfalto deserto, tomando banhos coletivos ou com a filha mais velha se bronzeando nua no jardim, nada parece perturbar a rotina do esquisito grupo. No momento, entretanto, que a auto-estrada em questão é reativada, a desordem mental de todos parece aflorar. Incapazes de abandonar a residência, começam a entrar em eternas discussões e conflitos. Chega-se ao ponto de emparedar todas as aberturas da casa para evitar o contato externo. A cineasta Ursula Meir adota o tom certo na direção, criando uma atmosfera de demência que vai se tornando progressivamente sufocante. A fotografia se alterna vertiginosamente entre a luminosidade ensolarada das belas paisagens bucólicas onde a casa está encravada até os interiores escuros e opressores da residência. Isabele Huppert mostra uma variação interpretativa impressionante no papel da matriarca, indo da serenidade contemplativa até o comportamento maníaco assustador, enquanto o notável elenco juvenil envereda por atuações similares.
Absurdistão, de Veit Helmer ***
“Absurdistão” (2008) tem as características típicas daquelas produções “artísticas” que alguns cinéfilos tanto gostam: paisagens exóticas, realismo mágico, narrativa alternada entre a fábula e a comédia. Mas apesar dos clichês, o filme é realmente envolvente e tem o seu encanto. Reciclando a velha história mitológica da greve de sexo das mulheres de Atenas, transposta para um vilarejo de um país imaginário, o filme tem uma eficiente direção de fotografia que valoriza as inóspitas paisagens áridas que pontificam como cenários. Além disso, a trama é marcada por um humor ora ingênuo ora malicioso em perfeita sintonia com o caráter irreal da narrativa.
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