O diretor polonês Wojciech Smarzowski propõe uma estranha combinação de política e elementos de cinema noir em “A casa do mal” (2009). Com uma trama que se divide entre presente e passado, a proposta aparente é de um roteiro que investiga as causas de um assassinato triplo em uma casa isolada no meio rural. Os dois momentos históricos se inserem ainda em pleno domínio comunista da Polônia, e aos poucos detalhes referentes àquela realidade social se inserem de formal sutil – corrupção policial, mercado negro, falta de perspectivas econômicas. Assim, é natural que a ambiência sórdida do gênero noir permeie o filme, mas adaptado para ambiência da obra: o figurino não é exatamente elegante, as “fêmeas fatais” são gordinhas e não tão charmosas, o sexo é sujo e brutal... Smarzowski estabelece uma ordem estética simples, mas eficiente, para diferenciar os tempos narrativos: no passado, onde o crime em questão ocorreu, a encenação de desenrola em tomadas noturnas, em meio à chuva, com o filme adquirindo contornos quase de uma obra de horror. Já no presente, a opção é por filmagens à luz do dia, buscando um paralelo pela intenção do protagonista em “clarear” os fatos obscuros. Por mais que haja uma expectativa de quem assiste em saber o que efetivamente ocorreu na noite fatídica das mortes, entretanto, a conclusão da trama é brilhantemente desconcertante – dentro dos jogos de interesse daquela comunidade, pouco importa saber quem são os culpados, mas sim quem pode ser um bom bode expiatório para mascarar os pecados e abusos daqueles que detém o poder.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quinta-feira, maio 31, 2012
segunda-feira, maio 28, 2012
Pater, de Alain Cavalier **
A estrutura formal de “Pater” (2011) sugere um aparente desleixo. A encenação de um drama político parece ter um ar casual, quase improvisado. O diretor Alain Cavalier, que também interpreta um dos papéis principais da obra, faz questão de expor o mecanismo criativo da obra, filmando as suas conversas com o ator Vincent Lindon (que vive o protagonista da fita) e ensaios. O efeito geral causa no início uma certa surpresa, mas o desenrola da produção mais induz ao aborrecimento do que a um possível deslumbramento. O hermetismo lúdico de “Pater” até faz pensar que os envolvidos na produção podem ter se divertido pra caramba fazendo o filme, mas é provável que o espectador não compartilhe do mesmo sentimento...
sexta-feira, maio 25, 2012
A Princesa de Montpensier, de Bertrand Tavernier ***1/2
É comum em comentários e discussões sobre cinema que alguém se refira a uma obra como acadêmica ou convencional de maneira que isso fosse algo depreciativo. Existem casos em que filmes que tenham tais características realmente possam causar desagrado, mas isso ocorre porque esse convencionalismo denota uma falta de ousadia, uma preguiça criativa. Há situações, porém, que tal atributo se liga ao rigor formal de um diretor na condução de sua narrativa, onde até pode-se não se propor algo de novo, sem que com isso não se perca o interesse em gerar uma obra de considerável ambição artística. É nesse segundo caso que se deve situar “A Princesa de Montpensier” (2010). Com uma trama contextualizada na França do século XVI, marcada por conflitos de ordem religiosa entre católicos e protestantes, o filme do veterano diretor Bertrand Tavernier evidencia um detalhado trabalho de direção de arte e fotografia na recriação de uma ambientação que varia entre o requintado das festas e reuniões das cortes e a sujeira e sordidez dos campos de batalha. O cuidado estético de Tavernier não faz com que o mesmo abdique de uma encenação vigorosa e de uma arguta visão crítica sobre os costumes e a moral da época. O cineasta valoriza de sobremaneira as nuances do roteiro do filme (baseado em um conto literário), evidenciando um texto que não cai na simples contestação da ordem religiosa da época, mas que também constata com sutileza a deturpação dos princípios da moral cristã. Nesse sentido, a caracterização do personagem do Conde Chabannes (Lambert Wilson) é primorosa – um nobre guerreiro que sacrifica serenamente o seu amor pela princesa do título e a própria vida em nome da uma paz que nunca virá.
quinta-feira, maio 24, 2012
Enter The Void, de Gaspar Noé ****
Essa coisa de dizer que um filme é revolucionário, renovador ou coisa que o valha é algo meio temerário de se fazer. Afinal, este blog tem um caráter opinativo, e opinião sempre é marcada por algum traço de subjetivismo. Dessa forma, não vou colocar aqui de forma taxativa que “Enter The Void” (2009) vai mudar de maneira definitiva a história do cinema. O que dá para dizer com certeza é que a obra do diretor Gaspar Noé vai causar alguma espécie de ruptura para uma boa parte de sua audiência.
O diretor italiano Federico Fellini disse uma vez que a grande diferença entre assistir um filme no cinema ou na televisão é que na primeira situação o espectador não tem controle sobre a obra audiovisual – não há como pará-la ou fazê-la retroceder ou avançar. Essa constatação ganha uma conotação ainda mais definitiva com “Enter The Void”. O que Gaspar Noé faz com o espectador é jogá-lo dentro literalmente da mente de seu protagonista Oscar (Nathaniel Brown), um traficante norte-americano que vive em Tóquio. Para o diretor, não basta “contar a história” – é necessário também senti-la. Isso não implica apenas que se verá tudo o que acontecerá pelos olhos do personagem – ouve-se os pensamentos de Oscar, seus delírios com drogas se materializam aos nossos olhos, até suas tentativas com projeção astral, inspiradas no Livro Tibetano dos Mortos, ganham uma estranha materialidade. Quando ele morre baleado dentro de um banheiro sujo, Noé emula de forma perturbadora seus suspiros finais. A experiência estética do cineasta radicaliza de vez no momento em que Oscar se converte em espírito ou energia. O personagem visita lugares conhecidos em Tóquio (sua casa, as ruas, a boate onde trabalha a irmã) ao mesmo tempo que suas lembranças pessoais invadem a sua percepção. Essa alternância entre passado e presente se estabelece de forma vertiginosa, quase caótica, mas aos poucos vai adquirindo uma estranha coerência.
Apesar da sua temática envolvendo morte e o que veria depois dela, não daria para dizer que “Enter The Void” se trata de uma produção de caráter espírita. Afinal, não há lições edificantes e nem maiores explicações sobre o que está acontecendo. Quando parte para essa jornada extracorpórea, Oscar não tem um controle racional sobre a sua trajetória – ele se desloca por Tóquio e rememora sua vida de forma instintiva. Sua própria percepção de realidade se distorce – uma maquete da capital japonesa pode se fundir com a própria cidade, objetos como lâmpadas e canos de esgotos se convertem em portais para o fluxo contínuo de movimentação do protagonista. Como estamos dentro de sua mente, somos praticamente conduzidos abruptamente por paisagens estranhas e forçados a catar pequenos elementos de situações e reminiscências até chegarmos a uma tentativa de formar um todo que explique a morte de Oscar e que dê uma pista para o seu destino.
A genialidade de Noé dentro desse caos audiovisual é saber traduzir esse conjunto de elementos caóticos e delirantes em imagens magníficas e numa condução narrativa que nunca cai na dispersão. O diretor impõe uma concepção visual que se desenvolve entre o realismo, cenários artificiais de estúdio (lembrando algo do realismo de néon de “O Fundo do Coração”) e efeitos digitais. Além disso, soluções formais brilhantes e insólitas irrompem de forma constante – nesse sentido, o auge se encontra na brilhante seqüência final: Oscar circula em meio a uma grande orgia, em que pênis e vaginas brilham, e literalmente entra dentro de um corpo feminino durante o ato da penetração, misturando-se à fecundação e, por fim, renascendo novamente.
Quando aparecem os créditos finais, é como se fossemos expelidos de um pesadelo. Gostando ou não de tal sensação, é inegável que esse não é o tipo de experiência que se tem normalmente com um filme.
quarta-feira, maio 23, 2012
33 Postcards, de Pauline Chan **
Um filme como “33 Postcards” (2011) pode parecer uma obra indie cheia de boas intenções com sua trama repleta de momentos edificantes, mas na verdade tal produção é tão formulaica e manipuladora quanto boa parte dos blockbusters que está em cartaz nos cinemas. O roteiro tem aqueles elementos certos para atrair os espectadores desavisados: fotografia em estilo cartão postal de cenários exóticos, uma protagonista ingênua e simpática, história que mistura dramas pessoais com leves toques de questões sociais. Dentro desse conjunto, “33 Postcards” soa rígido na sua busca pelo sentimentalismo, não havendo qualquer sequência que chame atenção por alguma ousadia formal. Pode ser até que agrade uma parcela das platéias, mas seu destino final certamente será o limbo das produções esquecíveis.
terça-feira, maio 22, 2012
Noite #1, de Anne Émond **1/2
Mesmo com algumas argutas observações sobre os relacionamentos humanos, “Noite #1” (2011) é uma obra que traz um gosto de mais do mesmo, dentro de uma linha de produções contemporâneas de baixo orçamento com um viés intimista. Mesmo a trama já começa de uma premissa um tanto batida: homem e mulher se conhecem numa rave, vão para casa dele para uma noite de sexo casual e depois do coito começam a discutir e refletir sobre a vida de ambos. A ambientação formal é simples – enquadramentos geralmente fixos, imagem de tom granulado (quase evocando o documental). A secura nessa concepção procura a coerência com o realismo da temática, o que faz com que alguns momentos tenham a capacidade de cativar a platéia pela forma crua com que expõe conflitos emocionais característicos do século XXI, principalmente no que diz respeito a uma certa insatisfação com o hedonismo vazio desses tempos (por um outro lado, não há como não pensar num certo caráter moralista da produção). Na verdade, uma temática como essa não impediria o filme de procurar caminhos mais ousados em sua encenação. É só verificar que obras como “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004) e “Scott Pilgrim contra o mundo” (2010), por exemplo, propõem um olhar lúcido e crítico diante do mesmo assunto de “Noite #!1”, mas não abdicam de ousadias estéticas, principalmente por enveredarem pelo campo da fantasia.
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