É claro que há gente a reclamar de que “O Discurso do Rei” (2010) é por demais acadêmico e previsível no seu resultado final. Há de se convir, entretanto, que mesmo dentro de tais concepções convencionais o filme acaba se destacando pela sua elegância formal e temática. Muitas produções, geralmente, dentro do gênero em questão, acabam descambando para excessos melodramáticos ou narrativas arrastadas. “O Discurso do Rei”, ao contrário, apresenta fluência natural tanto pela edição de moldes clássicos quanto pela fotografia que valoriza o requinte dos ambientes aristocráticos e a ambiência sombria da Londres pré-Segunda Guerra. As duas horas de trama evoluem de uma forma que o espectador mal sente o tempo passar. E mesmo que o roteiro enverede pela fórmula de história que contem lição edificante de superação pessoal, é inegável a presença de um senso de humor fleumático tipicamente inglês que faz com que o filme não caia no sentimentalóide. Quanto ao tão decantado trio de atores dos personagens principais, é certo que os mesmos já entregaram interpretações mais sanguíneas e marcantes em outros trabalhos, mas suas atuações são eficientes e discretas o suficiente para estarem em serena sintonia artística com o espírito da obra.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
segunda-feira, fevereiro 28, 2011
sexta-feira, fevereiro 25, 2011
O Ritual, de Mikael Hafström *1/2
“O Ritual” (2010) é mais uma derivação, com poucas variações, do clássico “O Exorcista” (1973). Na verdade, isso não chega a ser um grande problema (afinal, mais de 90% dos filmes com temática sobre possessões demoníacas são decalques da obra-prima de William Friedkin). O que realmente incomoda nessa produção dirigida por Mikael Hafström é o fato da mesma não se decidir entre ser um drama a discutir os limites entre a fé e o charlatanismo ou partir definitivamente para o horror explícito com direito a todos os efeitos especiais e escatologias inerentes ao gênero. Em grande parte de sua duração, a narrativa se propõe como uma obra que transita de forma difusa entre o delírio e o sobrenatural. No terço final, entretanto, assume-se como mais uma história a mostrar um duelo entre o bem (padres) e o mal (o demônio). Só que Hafström não tem um décimo do talento de Friedkin em termos de ousadias formais, fazendo que “O Ritual” não convença como obra “séria” a versar sobre exorcismos e muito menos como exemplar digno do cinema fantástico (afinal, é incapaz de gerar algum susto decente para as platéias). Elementos como os cenários em Roma e a presença de alguns bons atores como Ciarán Hinds e Toby Jones, no final das contas, servem apenas como perfurmaria incapaz de sustentar o filme. Até mesmo Anthony Hopkins parece estar desdenhando de tudo, limitando-se a macaquear alguns trejeitos do velho e bom Hannibal Lecter. No final das contas, “O Ritual” parece ter vergonha de ser um filme de horror, inserindo elementos pretensamente baseados em fatos reais que poderiam lhe dar legitimidade, mas que acabam apenas por o tornar um filme sem personalidade.
quinta-feira, fevereiro 24, 2011
Bravura Indômita, de Joel e Ethan Coen ***1/2
É estranho falar que um ótimo filme também pode ser decepcionante, mas é justamente o que ocorre em “Bravura Indômita” (2010). O problema é que os Irmãos Coen vinham de três obras-primas consecutivas: “Onde os Fracos Não Tem Vez” (2007), “Queime Depois de Ler” (2008) e “Um Homem Sério” (2009). Assim, a expectativa para o próximo trabalho era alta e daí um certo sentimento de frustração com a obra mais recente dos brothers. Mesmo assim, brotam com constância em “Bravura Indômita” pontos positivos que o colocam como uma produção acima da média, a começar por uma deslumbrante direção de fotografia que valoriza ao extremo as paisagens melancólicas e áridas do Velho Oeste, indo do registro limpo e luminoso das tomadas diurnas até algumas sequências de tons sombrios que beiram o mítico. O trabalho do elenco também reluz, principalmente pela caracterização carismática de Jeff Bridges e pela composição dramática obtida por Josh Brolin, uma insólita combinação de jequice e maldade.
Talvez a música original composta por Carter Burwell seja uma síntese da questão que faz com que “Bravura Indômita” não atinja aquele ponto de transcendência artística: bela e nostálgica, mas convencional em demasia, o que se estende para a própria narrativa do filme. E essa atmosfera do convencional é uma das coisas que menos se espera das concepções estéticas particulares dos Coen. Tal impressão se acentua mais na própria comparação que se faz com o “Bravura Indômita” realizado em 1969 por Henry Hathaway – este último soa menos sentimental e mais cru e impactante que a versão mais recente.
Talvez a música original composta por Carter Burwell seja uma síntese da questão que faz com que “Bravura Indômita” não atinja aquele ponto de transcendência artística: bela e nostálgica, mas convencional em demasia, o que se estende para a própria narrativa do filme. E essa atmosfera do convencional é uma das coisas que menos se espera das concepções estéticas particulares dos Coen. Tal impressão se acentua mais na própria comparação que se faz com o “Bravura Indômita” realizado em 1969 por Henry Hathaway – este último soa menos sentimental e mais cru e impactante que a versão mais recente.
quarta-feira, fevereiro 23, 2011
Tio Boonmee, Que Pode Recordas Suas Vidas Passadas, de Apichatpong Weerasethakul ***1/2
O que ouço ou leio sobre “Tio Boonmee, Que Pode Recordas Suas Vidas Passadas” (2010) me soa muito extremista. Se por um lado há aqueles que exaltam virtudes revolucionárias no filme (e que podem até assustar aos desavisados), por outro há aqueles que o deploram por um suposto hermetismo de sua narrativa que se afasta do modelo linear convencional (e que também assustam os tais desavisados). É claro que a obra mais recente do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul pode causar estranhamento àqueles habituados a um determinado tipo de produção mais digerível, mas não dá para dizer que chega ao nível do incompreensível. Trabalha-se com conceitos que cineastas como Alain Resnais e David Lynch já exploraram com eficácia, principalmente numa ambientação em que o real e o imaginário se fundem a um ponto em que não podemos distingui-los com precisão. No caso do filme em questão, noções de espiritualidade oriental, derivadas do budismo, integram-se nas concepções particulares de Weerasethakul, o que para um olhar ocidental pode aumentar a sensação de bizarrice. Fantasmas de familiares, macacos-humanos, peixes que falam, lendas, transitam com naturalidade entre os indivíduos “normais”, evocando uma simbologia serena. No final das contas, o filme trabalha com temas simples como a morte, a saudade, as lembranças, mas com um ritmo mais contemplativo e uma perspectiva cultural e valorativa diferenciada. A sequência final, uma sutil ruptura nos planos de realidade, é a síntese desconcertante do espírito temático/formal de “Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”.
terça-feira, fevereiro 22, 2011
Burlesque, de Steven Antin *1/2
Assistindo ao desenrolar de “Burlesque” (2010), pode-se fazer um filmezinho imaginário nas nossas cabeças sobre o que pode ter acontecido no processo de realização do filme. A primeira metade da produção faz supor que todos estavam se esforçando em entregar um produto no mínimo digno. A combinação de uma modernidade “estilo MTV” e referências retrô de musicais revelam certo cuidado estético nas coreografias de canto e dança, a real essência do filme – até porque a puerilidade do roteiro é algo definitivamente a não se levar a sério (e nem é um grande problema em si – afinal, Paul Verhoeven filmou uma história muito semelhante na obra-prima “Showgirls”). A metade final de “Burlesque”, contudo, parece evocar os respectivos estrelismos de suas protagonistas Cher e Christina Aguilera. Dá para imaginar elas gritando com o diretor Steven Antin: “Vamos parar com essa bobagem artística e mostrar para os nossos fãs o que eles realmente querem”. E daí tudo descamba para uma egotrip dupla. Os números musicais caem de vez para um formato banal de clips promocionais dos talentos vocais das mesmas. Pode ser que agrade aos apreciadores das meninas, mas quem está ali só pelo filme sai perdendo.
segunda-feira, fevereiro 21, 2011
O Nome Dela é Sabine, de Sandrine Bonnaire ***
A atriz e diretora francesa Sandrine Bonnaire realiza no documentário “O Nome Dela é Sabine” (2007) uma espécie de jornada sombria em relação ao próprio passado. Sua intenção é mostrar a trajetória de sua irmã autista Sabine, contrapondo imagens domésticas antigas com o retrato do cotidiano da sua irmã em uma instituição especializada. O contraste de tais registros é chocante e perturbador. Nas cenas de arquivos, vemos uma jovem vivaz e bastante loquaz, ainda que arredia. Ao fundo, a narração Bonnaire tem um tom nostálgico e melancólico, como que antevendo uma virada trágica na vida irmã. Após a morte do pai e a saída dos irmãos para formarem suas próprias famílias, Sabine é internada num sanatório onde recebe pesadíssimo tratamento por medicamentos. As filmagens mais atuais do documentário focam o resultado de tal tratamento, mostrando Sabine com a sua saúde mental e física bem abalada: 30 quilos a mais, com reflexos e velocidade de raciocínios bastante reduzidos, babando constantemente, é uma entristecida versão debilitada da pessoa que era. Mesmo com o seu forte envolvimento emocional com a biografada, Sandrine Bonnaire busca uma abordagem seca e sem muitas concessões ao sentimentalismo fácil. Por mais que evidencie a inépcia do tratamento que Sabine recebeu, a diretora também evoca certa culpa por uma possível omissão na situação da irmã. E é nesse ponto que justamente está a maior virtude de “O Nome Dela é Sabine” – um relato cru e visceral em que não sobra espaço para vilões ou vítimas, pois até mesmo Sabine não é reduzida a um estereótipo de “coitadismo”.
sexta-feira, fevereiro 18, 2011
Claude Lévi-Strauss Por Ele Mesmo, de Annie Cheavallay e Pierre-André Boutang **
Tentar concentrar em um documentário de noventa minutos uma série de conceitos complexos, cujo processo de discussão e compreensão leva alguns anos de estudos em cursos de graduação (e até mesmo pós), é tarefa árdua. O risco de cair no meramente didático e no enfadonho é grande, podendo a obrar se tornar de interesse quase que apenas para iniciados. E é justamente o que acaba ocorrendo em “Claude Lévi-Strauss Por Ele Mesmo” (2008). Ouvir o biografado e seguidores teorizando sobre princípios de antropologia e etnologia não é dos exercícios mais palatáveis para neófitos, o que acaba tornando o filme massante em alguns momentos (até porque nessas seqüências a câmera é estática e apenas registra pessoas falando). O que torna essa produção francesa uma curiosidade para diletantes ou apreciadores de cinema em geral são imagens de arquivos e depoimentos que fogem do acadêmico, com Lévi-Strauss contando detalhes interessantes da sua vida e bibliografia, com destaque para a origem de seu livro mais notório, “Tristes Trópicos”, além dos relatos das passagens marcantes do antropólogo pelo Brasil. Afinal, são elementos históricos que ajudam a compreender até mesmo a evolução da cultura ocidental, pelo menos, nos últimos cem anos.
quinta-feira, fevereiro 17, 2011
De Volta à Normandia, de Nicolas Philibert ***1/2
“Eu, Pierre Rivière, Que Degolei Minha Mãe, Minha Irmã e Meu Irmão” é uma produção francesa de 1976 dirigida por René Allio que encenava um caso real de homicídio ocorrido em 1835 em um vilarejo do interior da França, e que havia sido base para um célebre livro de Michel Foucalt. Nas filmagens, o cineasta usou moradores dos arredores da região do crime como atores nos papéis principais. Nicolas Philibert, que havia sido assistente de direção de Allio no referido filme, propõe no documentário “De Volta à Normandia” (2007) uma narrativa que se estende por planos diversos: imagens de arquivo das filmagens de “Eu, Pierre Rivière....”, trechos do filme em questão, descrição dos fatos reais relativos ao crime, depoimentos atuais dos moradores que participaram da produção e registros dos cotidianos dos mesmos. Assim, é oferecido um intrigante mosaico, com Philibert estabelecendo relações entre os planos narrativos. Há uma permanente aura de mistério que se origina da confrontação dessas histórias paralelas. O rapaz que viveu Pierre Rivière nas telas, por exemplo, tinha pontos em comum com o “personagem”: taciturno, curioso, de poucos amigos e palavras, parecendo emular uma possessão. Já as dificuldades para suprir as lacunas do caso Pierre Rivière apresentam uma perturbadora sintonia com os percalços de Allio para ele levar a sua obra até o fim que desejava. A rotina quieta e rústica da região focalizada sugere um universo atemporal e também com algo de opressivo, quase funcionando como um agente da tragédia que ali ocorreu. A abordagem de Philibert chega perto do investigativo, mas o resultado é pouco conclusivo. Boa parte do fascínio de “De Volta à Normandia” está justamente nessa ausência de respostas, sugerindo-se que na vida a dúvida é a verdadeira regra.
quarta-feira, fevereiro 16, 2011
Cisne Negro, de Darren Aronofsky ***1/2
Tentar fazer uma leitura do subtexto de “Cisne Negro” (2010) chega a ser quase redundante, pois o filme vive se auto-explicando: para atingir seus objetivos artísticos e pessoais como bailarina, a protagonista Nina (Natalie Portman) deve deixar aflorar o seu lado negro. O forte do diretor Darren Aronofsky nessa sua obra mais recente certamente não é a sutileza. E por falar nesse último requisito, talvez esteja aí o real grande conflito criativo do filme – sente-se uma grande propensão para o grotesco e o exagerado típicos de uma produção de horror, mas sem querer deixar de abrir mão de uma certa sofisticação de uma abordagem psicológica mais acurada. Quando o filme começa a partir para o explícito, quase que beirando o apelativo em termos de suspense e erótico, Aronofsky dá uma freada em busca da “densidade” artística. A indecisão do cineasta acaba truncando a narrativa de “Cisne Negro”. Mesmo assim, a produção se revela acima da média, principalmente pela sua perturbadora atmosfera sombria e pelo estilo insólito de Aronofsky em focalizar os ensaios e apresentações de balé (com destaque para a sequência de abertura, um legítimo e literal balé travestido de pesadelo). Alguns dos momentos de delírio de Nina trazem uma caracterização visual que impressiona pela beleza de sua violência e sordidez gráficas, além de revelar originalidade na manipulação das trucagens. Tais virtudes fazem o saldo final de “Cisne Negro” mais que positivo, ainda que se sinta um certo grau de decepção pelo fato de não estar no mesmo nível de “O Lutador” (2008), o brilhante penúltimo filme de Aronofsky.
terça-feira, fevereiro 15, 2011
O Vencedor, de David O. Russell ****
No cinema, a questão fundamental não é a história que se conta, mas sim a forma com que essa história é contada. Lembro tal assertiva porque desavisados podem ler a sinopse de “O Vencedor” (2010) e torcer o nariz logo de cara. Resumindo seria algo como uma trama tendo um boxeador como personagem principal e sua trajetória de luta e superação pessoal, além de toques de dramas familiares. A primeira coisa que vem à cabeça é “Rocky – Um Lutador” (1976) e suas continuações e derivados. O que conquista o espectador em “O Vencedor”, entretanto, não é apenas a força emocional da sua trama, mas principalmente a encenação vigorosa oferecida pelo diretor David O. Russell. Logo na sequência inicial isso fica evidente, nas tomadas dos irmãos Dick (Christian Bale) e Mick (Mark Wahlberg) percorrendo as ruas de seu bairro, em um primoroso trabalho de fotografia e edição.
O fato do roteiro de “O Vencedor” se basear em uma história real faz com que Russell busque uma aproximação com um registro que beira o documental em vários momentos, emulando cenas “reais” captadas da televisão, com as imagens assumindo um granulado de tons nostálgicos, o que fica evidente em boa parte das tomadas das lutas. A dinâmica da narrativa estabelece uma relação com o próprio estilo ágil e elegante de luta dos irmãos boxeadores que protagonizam o filme. Além disso, a caracterização tanto de personagens quanto de situações se direciona para o contundente naturalismo, mas sem nunca abandonar o senso épico na sua concepção, remetendo a uma clássica e rica tradição do cinema norte-americano de obras como “Vinhas da Ira” (1940), “Sindicato dos Ladrões” (1954), “Bonnie & Clyde” (1967), “O Poderoso Chefão” (1972) e “Amantes” (2008).
Parte essencial nessa abordagem de Russell para a sua obra se encontra no seu elenco. Muito se comenta a verdadeira possessão de Bale em cena, mas ele encontra o contraponto perfeito nos maneirismos discretos de Wahlberg e nas expressões endurecidas e algo vulgares de Amy Adams e Melissa Leo.
O fato do roteiro de “O Vencedor” se basear em uma história real faz com que Russell busque uma aproximação com um registro que beira o documental em vários momentos, emulando cenas “reais” captadas da televisão, com as imagens assumindo um granulado de tons nostálgicos, o que fica evidente em boa parte das tomadas das lutas. A dinâmica da narrativa estabelece uma relação com o próprio estilo ágil e elegante de luta dos irmãos boxeadores que protagonizam o filme. Além disso, a caracterização tanto de personagens quanto de situações se direciona para o contundente naturalismo, mas sem nunca abandonar o senso épico na sua concepção, remetendo a uma clássica e rica tradição do cinema norte-americano de obras como “Vinhas da Ira” (1940), “Sindicato dos Ladrões” (1954), “Bonnie & Clyde” (1967), “O Poderoso Chefão” (1972) e “Amantes” (2008).
Parte essencial nessa abordagem de Russell para a sua obra se encontra no seu elenco. Muito se comenta a verdadeira possessão de Bale em cena, mas ele encontra o contraponto perfeito nos maneirismos discretos de Wahlberg e nas expressões endurecidas e algo vulgares de Amy Adams e Melissa Leo.
segunda-feira, fevereiro 14, 2011
Lixo Extraordinário, de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley ***
Em uma certa altura de “Lixo Extraordinário” (2010), um dos catadores focados no documentário conta que uma vez encontrou no meio do lixo um exemplar de “O Príncipe” de Maquiavel e que a leitura de tal livro o influenciou como líder da cooperativa de catadores do qual faz parte. A inclusão desse depoimento pode ter sido meramente aleatória, mas acaba soando como uma certa metáfora da própria realização do filme. Se o artista plástico Vik Muniz, o protagonista de “Lixo Extraordinário”, tem como matéria prima de sua arte objetos e produtos descartados pela sociedade de consumo, no projeto focado no documentário a sua experiência estética se estende para um campo maior – além dos dejetos referidos, ele avança não só para o campo do cinema, mas também na manipulação do destino de um grupo de catadores. Nesse sentido, sua visão é maquiavélica, inserindo as sofridas histórias pessoais de cada um daqueles indivíduos dentro do próprio contexto das pinturas/fotografias que resultam do projeto. Joga ainda com uma série de clichês sentimentais típicos desse tipo de documentário, buscando também a emoção fácil para a sua platéia. Aparentemente, tais intenções artísticas de Muniz podem soar apelativas, mas há um certo sentido irônico e perverso nas concepções do artista, como se ele quisesse expor os mecanismos hipócritas das concepções da sociedade, ditas politicamente corretas, sobre temas como ecologia e miséria. “Lixo Extraordinário”, entretanto, não se resume a um discurso sociológico. As tomadas do aterro do Jardim Camacho, por exemplo, impressionam não só pelo visual chocante de uma infinidade de detritos concentrados num mesmo local e disputados avidamente por um verdadeiro formigueiro humano, mas também pela dimensão épica oferecida pela direção de fotografia. O processo de elaboração dos quadros de Muniz e seus colaboradores é registrado com detalhismo, estabelecendo estreita relação entre o fazer artístico de Muniz e o cinematográfico. Cabe destaque ainda à trilha sonora de Moby, em bela combinação de temas de inspiração roqueira, eletrônica e ambiental.
sexta-feira, fevereiro 11, 2011
Santuário, de Alister Grierson ***
No meio desta atual onda de produções que utilizam o 3D, “Santuário” (2010) acaba se destacando por trazer nos seus créditos como produtor uma das autoridades do assunto, James Cameron. O acesso à boa parte da infra-estrutura que possibilitou a realização do festejado “Avatar” (2009) faz com que o filme em questão acabe se destacando no meio de outras produções que usam a mesma tecnologia, principalmente na utilização que faz do 3D nos cenários naturais de sombrios lagos e grutas. Em algumas sequências, os efeitos tridimensionais acentuam a sensação de claustrofobia e tensão da trama de exploradores que ficam aprisionados em uma gigantesca e inexpugnável caverna. O filme também surpreende pelo nível de crueza da violência e mortes em determinadas cenas, com direito a afogamentos detalhados pela expressão angustiante do rosto das vítimas e sangue em profusão. Ou seja, um roteiro podreira de filme B com os recursos de produção classe A. Se pensarmos que Cameron começou a carreira trabalhando com Roger Corman na primeira versão de "Piranhas", as coisas até que fazem sentido....
No geral, apesar da sofisticação de seus efeitos visuais, “Santuário” está longe de ser um marco no cinema, mas é bastante competente dentro do gênero “filme catástrofe”.
No geral, apesar da sofisticação de seus efeitos visuais, “Santuário” está longe de ser um marco no cinema, mas é bastante competente dentro do gênero “filme catástrofe”.
quinta-feira, fevereiro 10, 2011
Caça às Bruxas, de Dominic Sena **1/2
Apesar do permanente ar canastrão de Nicolas Cage e da direção de arte preguiçosa, “Caça às Bruxas” (2010) consegue se elevar um pouco acima da média dentro do gênero aventuras medievais. As cenas de ação não economizam na sanguinolência e a caracterização suja de miséria e doença mostra uma preocupação em não se soar tão asséptico naquele tradicional padrão de produções holywoodianas. É interessante também observar que em boa parte da trama prevalece uma atmosfera ambígua, deixando o espectador em constante dúvida se está diante de uma narrativa fantasiosa, que evoca o sobrenatural, ou se esse lado místico é fruto do obscurantismo dos dogmas religiosos da época. É justamente nesse aspecto dúbio que se concentra a fonte da tensão de “Caça às Bruxas”. No terço final do filme, entretanto, isso se dissolve na resolução mecânica do roteiro – a trama fica resumida no velho embate entre o bem e o mal, além da encenação se tornar bem menos inspirada e incapaz de gerar a sensação de medo que uma obra de horror exige.
quarta-feira, fevereiro 09, 2011
Inverno da Alma, de Debra Granik ***1/2
A meia hora inicial de “Inverno da Alma” (2010) parece obedecer a uma certa fórmula de produções independentes norte-americanas estilo Sundance: estilo realista/naturalista, narrativa lenta, fotografia de tons que beiram o documental, roteiro que alude questões sociais. Com o desenrolar da trama, entretanto, o filme vai adquirindo contornos mais interessantes até se converter em um assustador conto gótico. A produção traz uma abordagem desconcertante ao revelar um olhar que transita entre o real e a impressão do imaginário. Os nativos do interior do Missouri são retratados de forma quase mítica, apresentados como seres impenetráveis de poucas palavras e modos rudes. Trazem parentesco com aqueles caipiras dementes e violentos do clássico “Amargo Pesadelo” (1972). Em sua composição visual, o filme troca, progressiva e sutilmente, o registro seco das regiões montanhosas onde se desenrola a história do filme e adota um estilo de direção de fotografia que cria atmosferas sombrias típicas do gênero horror. Nesse sentido, é antológica a seqüência em que a protagonista Ree (Jennifer Lawrence), ao lado de senhoras que evocam figuras de feiticeiras, faz uma busca noturna pelo corpo do seu pai em um asqueroso pântano. Para sublinhar essa ambientação dúbia e atemporal, uma trilha sonora repleta de primitivos temas de inspiração blues e folk.
terça-feira, fevereiro 08, 2011
Scott Pilgrim Contra o Mundo, de Edgar Wright ****
A HQ na qual “Scott Pilgrim Contra o Mundo” (2010) é baseado já se apresenta como uma obra à parte. Incorporando influências de mangás na sua concepção visual e fazendo uma série de referências à cultura pop contemporânea (música, games, comportamento), o gibi do artista canadense Bryan Lee O’Malley faz um retrato irônico e apaixonado de boa parte da juventude ocidental do novo milênio. A versão cinematográfica dirigida pelo britânico Edgar Wright consegue passar com perfeição esse caleidoscópio de ideias e estilos para as telas, mas também busca uma linguagem própria e original como cinema. A seqüência inicial, logo de cara, já deixa evidente tais intenções: a banda Sex-o-Bomb (na qual Scott é baixista) está ensaiando num quartinho furreca, e de repente, quando a música irrompe, aquele mesmo espaço se projeta de forma irreal, ganhando uma dimensão de um grande palco de show. A própria música ganha uma representação visual, com raios e diversos grafismos saindo dos instrumentos. Em “Scott Pilgrim”, tempo e espaço têm uma noção própria de desdobramento. Há cortes sensacionais na edição – de repente Scott está num ambiente e na variação de um close ele já está em outro local. Truques como esse não se configuram apenas como demonstração de virtuosismo técnico, mas também complementam a própria essência da trama. Os efeitos especiais tirados do universo dos games refletem a forma de Scott e os demais personagens verem o mundo: veloz, confuso, imaturo, quase sem pausa para reflexões. Um dos grandes méritos de Wright é combinar essa gama de estéticas diversas e fazer com que o filme não tenha uma narrativa picotada ou com cara de vídeo clip. A ação em “Scott Pilgrim” é majestosa na sua encenação: coreografias de artes marciais elaboradas de forma épica, trucagens de um encanto visual extraordinário, diálogos altamente espirituosos.
O que escrevo aqui, entretanto, é uma espécie de impressões resumidas de uma produção tão repletas de nuances quanto “Scott Pilgrim Contra o Mundo”. O filme é composto ainda de outros detalhes que podem conquistar o espectador por diferentes motivos: a trilha sonora repleta de marcantes temas compostos por Beck, o elenco carismático, as homenagens/citações culturais (a começar pelos personagens Stephen Stills e “Jovem” Neil, claras referências aos fundadores do Buffalo Springfield). “Scott Pilgrim” também confirma Edgar Wright, o mesmo dos igualmente brilhantes “Todo Mundo Quase Morto” (2004) e “Hot Fuzz – Chumbo Grosso” (2007), como o grande nome do cinema britânico a ter surgido nos últimos dez anos.
O que escrevo aqui, entretanto, é uma espécie de impressões resumidas de uma produção tão repletas de nuances quanto “Scott Pilgrim Contra o Mundo”. O filme é composto ainda de outros detalhes que podem conquistar o espectador por diferentes motivos: a trilha sonora repleta de marcantes temas compostos por Beck, o elenco carismático, as homenagens/citações culturais (a começar pelos personagens Stephen Stills e “Jovem” Neil, claras referências aos fundadores do Buffalo Springfield). “Scott Pilgrim” também confirma Edgar Wright, o mesmo dos igualmente brilhantes “Todo Mundo Quase Morto” (2004) e “Hot Fuzz – Chumbo Grosso” (2007), como o grande nome do cinema britânico a ter surgido nos últimos dez anos.
segunda-feira, fevereiro 07, 2011
Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos, de Paulo Halm **1/2
O passado como roteirista de Paulo Halm se evidencia na sua estreia na direção em “Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos” (2009). O enfoque está bem mais concentrado no texto e nos diálogos do que na sua encenação. Assim, nem todas as soluções formais encontradas são as mais adequadas, com o filme em alguns momentos caindo para uma espécie de teatro filmado ou mesmo em truques típicos de produções televisivas. Apesar disso, há acertos em algumas saídas estéticas de Halm. A forma com que explora a ação dentro do espaço do apartamento do protagonista Zeca (Caio Blat) é criativa em determinadas tomadas, em seqüências que variam entre a tensão paranóica e o onírico. As cenas de sexo apresentam um traço mais visceral que não é tão frequente no cinema nacional. É inegável também que o roteiro explora com consideráveis profundidade e ironia as angústias existenciais de uma certa parcela de jovens trintões de classe média. Mesmo com Halm não sendo condescendente com o seu “herói” (ou talvez devido a isso), cria-se simpatia e identificação com Zeca pela sua capacidade de meter os pés pelas mãos na sua vida sentimental. A atuação intensa de Blat colabora bastante no sentido de tornar o personagem, assim como as confusões amorosas em que se envolve, críveis para espectador.
sexta-feira, fevereiro 04, 2011
O Turista, de Florian Henckel Von Donnersmarck **
Confesso que não sou daqueles fãs ardorosos de “A Vida dos Outros” (2006), a aclamada estreia do diretor alemão Florian Henckel Von Donnersmarck. Considero tal produção um competente suspense, mas sem maiores arroubos criativos, com um roteiro que beira o pueril e que se leva excessivamente a sério. No seu debut em Hollywood, Donnersmarck procurou repetir as suas fórmulas narrativas, mas o resultado ficou longe do satisfatório. “O Turista” (2010) padece de indecisões artísticas que acabam atravancando a sua fluência. O ponto chave dos seus problemas é que o filme, pela sua trama, exigia um direcionamento mais propenso para a ação. Ocorre que Donnersmarck se mostra quase constrangido em se contentar a realizar uma obra de aventura. Perseguições, lutas e tiroteios são encenados com pouca convicção e nuances, enquanto os momentos românticos e de suposta maior tensão psicológica apresentam uma consistência dramática oscilante. Donnersmarck parece ter desejado fazer uma obra “séria” e “artística” dentro de um formato ao qual não cabia tal abordagem. No final da contas, “O Turista” acaba se resumindo numa produção estilo cartão postal (o prefeito de Veneza deve ter gostado deste perfil de propaganda) e um festival de caras e bocas de Angelina Jolie e Johnny Depp.
quinta-feira, fevereiro 03, 2011
Minhas Mães e Meu Pai, de Lisa Cholodenko **1/2
Algumas qualidades saltam aos olhos em “Minhas Mães e Meu Pai” (2010) – a boa mão da diretora Lisa Cholodenko para a ação cinematográfica em algumas tomadas (principalmente na seqüência dos garotos andando de bicicleta na abertura do filme e nas cenas de sexo), a excelente atuação de Mark Ruffalo (sempre no feeling certo para interpretar tipos pouco glamourosos), a bela trilha sonora cancioneira indie e de clássicos temas de Joni Mitchel e David Bowie. Tais virtudes, entretanto, são insuficientes para segurar o interesse do filme, principalmente por uma certa formatação excessivamente convencional, que faz lembrar aquelas emboloradas produções setentistas sentimentais na linha acre-doce. Cholodenko parece também fazer questão de lembrar ao espectador de que está assistindo a uma típica obra independente, abusando de uma estética que beira o amador (o que são aqueles microfones de captação de som que aparecem constantemente na tela??). Incomoda ainda a composição dramática de alguns personagens, com destaque para o desempenho caricatural de Annette Bening, além do fato da temática homossexual receber uma abordagem um tanto confusa, sectarista e simplória pelo seu maniqueísmo – no filme, heterossexuais têm tendências naturais para serem brutais ou simplesmente inconsequentes.
terça-feira, fevereiro 01, 2011
Zé Colméia, de Eric Brevig *1/2
Não dá para dizer que “Zé Colméia” (2010) seja propriamente uma decepção, até porque o que se vinha falando sobre a sua produção e o próprio trailer já indicavam que o futuro não era muito promissor. Mesmo assim, há um certo gosto de frustração pelo fato de que a grana envolvida no filme justificaria uma obra bem menos capenga. O grande problema não é o fato de “Zé Colméia” ser uma bobagem pueril, mas sim o fato de ser uma bobagem pueril realizada de forma tão pouca inspirada. Paira sobre o filme uma indecisão criativa entre enveredar por um tom de besteirol ou permanecer na seara do gênero infantil, o que acaba resultando em algo despersonalizado e insípido. Mesmo o grande atrativo que seria a interação entre a animação digital e live action acaba soando pouco convincente, sendo que obras mais antigas (e sem os mesmos recursos tecnológicos de hoje) já haviam conseguido parecerem muito mais orgânicas nessa combinação, como “Uma Cilada Para Roger Rabbit” (1988) e “Looney Tunes – De Volta à Ação” (2003).
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