sexta-feira, dezembro 04, 2015

Pasolini, de Abel Ferrara ****

Quando se fala em cinebiografia nos dias de hoje, a primeira coisa que vem à cabeça é um filme cuja estrutura narrativa se resume a uma espécie de resumão linear da vida de seu protagonista, com alguma ênfase em determinados fatos mais relevantes, mas que no final das contas acaba se mostrando como uma obra superficial e que pouco consegue mostrar da essência de seus “homenageados”. Ainda que possam receber algumas indicações a Oscar ou páginas em cadernos culturais, o destino da maioria de tais produções é o esquecimento pela sua irrelevância artística e mesmo histórica. Sorte que existem exceções como esse “Pasolini” (2014) de Abel Ferrara, em que esse último retrata a últimas 24 horas de vida do genial diretor italiano. Só que nesse curto espaço de tempo focado, Ferrara consegue fazer um contundente inventário emocional e artístico do seu protagonista. O último dia de Pier Paolo Pasolini (Willem Dafoe) é marcado pelos tradicionais dilemas, conflitos e contradições que sempre marcaram sua trajetória como pensador, poeta e cineasta – seu conflito com os moralismos e mesquinharias do status quo econômico e social da sociedade ocidental, suas preocupações em dar vazão às suas obsessões estéticas e temáticas, o seu gosto por envolvimentos sexuais sórdidos. Mas ao mesmo que Ferrara concebe uma abordagem realista nessa visão fatalista dos momentos derradeiros de Pasolini, ele também envereda por um vórtice sensorial dentro da mente do artista, fazendo com que o espectador possa ter um vislumbre das lembranças difusas, anotações pessoais e mesmo projetos abortados pela sua precoce morte. Nesse último quesito, Ferrara emula com sensibilidade o próprio estilo de Pasolini na encenação que faz de um roteiro nunca filmado desse último, fazendo lembrar aquele realismo mágico picaresco e enlouquecido que o italiano criou para a sua “Trilogia da vida”. De certa forma, somente um eterno desajustado como Ferrara poderia ter a manha de nos oferecer um significado bastante aproximado do papel decisivo que Pasolini teve na cultura mundial.

Nenhum comentário: