sexta-feira, dezembro 27, 2019

Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles ****


Excessos tomam conta de “Bacurau” (2019). Mas são aqueles excessos típicos de quem assistiu muito filme bom na vida e quer colocar o máximo disso num filme só (além de deixar evidente algumas convicções existenciais/políticas). O grande mérito dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é justamente fazer com que referências e citações não se amontoem como se fossem uma mera colcha de retalhos estética, realizando uma obra que tem uma unidade artística coerente e impressionante. O lírico sensorialismo de algumas sequências e o misto desconcertante de poesia e prosa de determinados diálogos remetem ao melhor do que o Cinema Novo e o Cinema Marginal brasileiros produziram em seus respectivos auges, assim como a encenação da violência tem algo do barroquismo brutal de mestres do faroeste como Peckimpah e Leone e mesmo do horror operístico de Fulci e Argento. E no meio desses arroubos formais e narrativos, preserva-se um senso humanista lúcido e comovente. Nesse conjunto artístico, cristaliza-se um trabalho emblemático para o cinema brasileiro, tanto em seus antológicos detalhes cênicos como na capacidade de captar um perturbador zeitgeist.

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