Se “Bastardos inglórios” (2009) e “Django livre” (2012) marcavam
a guinada de Quentin Tarantino para um padrão mais tradicional de narrativa
cinematográfica enquanto “Os oito odiados” (2015) parecia representar a
retomada mais purista de sua linguagem própria, “Era uma vez em... Hollywood”
(2019) representa justamente a cristalização da junção orgânica do classicismo
estético-formal da cinematografia clássica norte-americana com o habitual
padrão autoral do diretor. E o resultado disso é o filme mais poético e
melancólico de Tarantino. Nesse sentido, a opção por uma formatação de fábula,
já indicada no título do filme, não é gratuita ou mera piada. Ao reimaginar os
fatos reais que levaram ao bárbaro assassinato coletivo de Sharon Tate e seus
amigos pelo grupo de fanáticos liderados por Charles Mason, momento chave na
decretação do fim do sonho contracultural na década de 60, Tarantino não só
realiza uma síntese perfeita entre a homenagem e a ironia sobre o cenário
cultural e a indústria cinematográfica da época como também evoca com sutileza
o caráter simbólico daquilo que aconteceu no passado na construção de um
presente mais desumanizado e desesperançado. A minuciosa recriação estilizada
da época, o caráter icônico das interpretações do elenco e a encenação entre o
caricatural e o solene formam um todo artístico de desconcertante encanto
sensorial não apenas por uma questão técnica-formal, mas também por ressaltarem
com tremenda sensibilidade a proposta estética-existencial do filme. Tarantino
sempre fez questão em sua trajetória artística em se assumir como um
diretor-cinéfilo e quando aborda essa paixão pelo cinema como uma das temáticas
mais prementes de “Era uma vez em... Hollywood” faz precisamente isso da forma
menos óbvia possível – citações e referências a momentos clássicos da mitologia
cinematografia norte-americana se inserem na narrativa com notáveis coerência e
originalidade, ajudando a formar um amplo e lúcido painel da relação entre
cinema, mitologia sessentista e comentário sócio-político-cultural.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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