quarta-feira, junho 28, 2006


Marcas da Violência, de David Cronenberg ****

Muita gente foi assistir “Marcas da Violência”, a mais recente produção do mestre canadense David Cronenberg, com a expectativa de ser alguma espécie de reflexão sobre a violência. Acabaram dando com os burros n’água. O que Cronenberg fez foi um clássico filme policial e de ação que envolve questões como culpa e redenção, cheio de influências da obra de Don Siegel e Sam Peckinpah.

O roteiro é baseado em uma graphic novel escrita por John Wagner. Li os quadrinhos e afirmo com convicção que o filme ficou ainda melhor que a obra original. A influência dos “comics” não se limitou apenas à trama, mas também em enquadramentos de câmeras criativos, na caracterização magnífica dos personagens e nos compactos diálogos.

A trama de “Marcas da Violência” é simples, girando em torno de Tom Stall (Virgo Mortensen), um aparente pacato dono de restaurante de uma cidade interiorana que vê a sua tranqüila rotina desmoronar quando num episódio violento de assalto o seu tenebroso passado vem à tona. A partir disso, Tom tentará recolocar as coisas em ordem ao mesmo tempo que terá de conter a sua até então insuspeita natureza violenta. Cronemberg explora com genialidade esse conflito. Cria fortes de clima de tensão que funcionam como uma espécie de aviso para os momentos de explosão de violência, sendo esses últimos econômicos, mas altamente impactantes. Nesse contexto, a ótima trilha sonora de Howard Shore casa-se com perfeição com as imagens, acentuando ainda mais o suspense elaborado por Cronenberg.

Uma das coisas que me deixa cada vez mais entusiasmado cada vez que assisto ou penso em “Marcas da Violência” é a poderosa concepção cinematográfica que Cronenberg ofereceu para o seu filme. Montagem e fotografia revelam muito mais sobre a trama em si do que os próprios diálogos. A começar pela magnífica abertura: o movimento da câmera revela fielmente a natureza psicótica da dupla de assassinos que deflagrará o conflito da história. Esse estilo perpassa por toda a precisa metragem do filme. Olhares, gestos, até mesmo na forma em que pessoas são espancadas ou tiros são desferidos: todos esses atos refletem de forma contundente o conceito de “Marcas da Violência”. E a seqüência final também é um exemplo disso: sem um único comentário por parte dos personagens, Cronenberg sintetiza com perfeição o espírito do seu filme.

Outro ponto forte de “Marcas da Violência” é o trabalho dramático de seu elenco. Virgo Mortensen está impressionante no pele do atormentando protagonista, caracterizando com sutileza um personagem que é pura agressividade represada. É magnífica a cena em que apenas através do olhar ele demonstra o que Tom Stall traz dentro de si. Já Ed Harris e William Hurt estão completamente à vontade nos seus papéis: os vilões que interpretam são primorosos nos quesitos crueldade e canalhice.

Em tempos de politicamente correto, “Marcas da Violência” é tudo aquilo que quem gosta de cinema espera: um filme policial sem constrangimentos de ser violento e brilhantemente dirigido. E depois do susto do apenas mediano “Spider”, Cronenberg mostra que continua sendo o mesmo apaixonado cineasta de obras primas como “Scanners – Sua Mente Pode Destruir” e “Mistérios e Paixões”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ele é quase tão bom quanto o Paul Verhoeven.

André Kleinert disse...

Acredito que Verhoeven e Cronemberg têm poder de fogo equivalentes.