segunda-feira, maio 08, 2017

História da minha morte, de Albert Serra ***1/2

A síntese artística de “História da minha morte” (2013) passa por uma intrincada combinação entre peculiar classicismo em termos estéticos, atmosferas bizarras e roteiro de forte teor alegórico. O diretor Albert Serra não facilita as coisas para o espectador – edição de pouco cortes, longos planos-sequência fixos, a encenação distante da escola naturalista, fotografia algo esmaecida que evoca um velho álbum de fotos. Em diversas passagens, a ambientação evoca uma zona existencial entre o horror metafísico sombrio e um amargo drama social. A figura mítica de Casanova apresenta uma carga simbólica diversa daquela habitual nas várias vezes em que foi retratada em outros relatos (cinematográficos ou não) – o personagem representa um poder aristocrata e patriarcal opressor e perverso, em que suas ações evocam o sexismo e a injustiça social que sempre foram inerentes dentro da trajetória histórica da sociedade ocidental. Nesse sentido, a abordagem temática-formal de Serra é perturbadora em sua ambiguidade, em que se pode perceber um certo tom encantador pictórico e mesmo sensual em algumas cenas, enquanto em outras predomina uma sexualidade brutal e um caráter de sordidez. A dubiedade aumenta ainda mais quando Drácula entra em cena, pois nunca fica claro o real significado de sua presença – seria uma saída libertária ou apenas a continuação de uma outra forma de opressão? Nesse padrão de indefinição é que “História da minha morte” vai se insinuando dentro do imaginário do espectador, como um pesadelo marcado pela beleza e pelo desconforto.

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