quinta-feira, fevereiro 14, 2019

A misteriosa morte de Pérola, de Guto Parente ***1/2


Em um primeiro momento, a primeira referência que pode vir à mente quando se assiste a “A misteriosa morte de Pérola” (2014) é a filmografia de David Lynch. Estão lá na narrativa do filme de Guto Parente uma série de recursos narrativos que o genial cineasta norte-americano usou com recorrência em seus trabalhos – a trama que se divide em dois momentos distintos que possuem uma obscura inter-relação entre eles, uma atmosfera que trafega sem maiores cerimônias entre a realidade e o delírio, a encenação que também varia entre o naturalismo e a estilização. Apesar de tais elementos familiares, Parente ainda assim consegue ter um traço de originalidade em suas concepções artísticas e demonstra saber manter a atenção do espectador mediante uma forte tensão dramática na manipulação do ritmo narrativo e do rigor imagético da direção de fotografia. Não se tem uma produção no gênero suspense “puro”, pois há uma carga intimista/psicológica densa tanto na exposição minuciosa do desolado cotidiano e do processo de fragmentação psíquica de Pérola (Ticiana Augusto Lima) em seu autoexílio em um apartamento no interior da França quanto na visita que o seu namorado faz ao apartamento depois da morte da garota. Parente acentua e harmoniza essa perturbadora combinação entre suspense e drama a partir de algumas elegantes nuances formais, vide a contraposição entre a sua judiciosa encenação e a inserção de falsos e “amadores” trechos documentais e o uso de uma trilha sonora repleta de temas musicais dissonantes.

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