terça-feira, março 19, 2019

Roma, de Alfonso Cuarón ****


Depois de passar quase duas décadas envolvido com produções dentro do gênero fantástico (onde foi muito bem-sucedido, por sinal), o diretor mexicano Alfonso Cuarón volta a trabalhar na linha do drama que alia intimismo e temática social, na intenção de formar uma espécie de panorama sócio-político-existencial do seu país. Se em “E sua mãe também” (2001) ele focava o seu olhar nos preconceitos e desventuras afetivas da classe média alta, em “Roma” (2018) a trama se concentra de maneira mais aguda na rotina dos desfavorecidos social e economicamente, mais especificamente dos descendentes indígenas, ainda que haja a presença forte do quotidiano de uma família pequeno-burguesa. Para isso, Cuarón aposta em uma fórmula narrativa de talhe clássico – direção de fotografia de tons que beiram o épico, edição de ritmo sereno e atmosfera de sobriedade emocional (ainda que o roteiro tenha fortes pendores sentimentais). Nessa rigorosa concepção estética-temática, o que tinha tudo para cair no melodrama excessivo acaba se configurando em um impiedoso retrato da injustiça social, da alienação política e dos conflitos de classe. O esmerado trabalho imagético e a sutileza da encenação realçam de maneira contundente os sentimentos de opressão, exploração e desesperança que rondam o dia-a-dia da protagonista Cleo (Yalitza Aparício), sem que ela mesmo perceba com clareza tudo que se passa com ela. Cuarón não busca soluções fáceis para os dilemas da trama e nem ameniza o seu formalismo angustiante para tornar as coisas palatáveis para o espectador. Pelo contrário – a meia-hora final de “Roma” dispensa a idealização banal de uma conciliação ilusória entre os seus atores sociais, enfatizando ainda mais a crueldade e hipocrisia de uma sociedade patriarcal-cristã-capitalista em relação às camadas mais humildes e a incapacidade dessas em se revoltar de maneira efetiva contra quem lhes impõe condições degradantes de vida.

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