segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Tartarugas Podem Voar, de Bahman Ghobadi ***1/2



Quem acompanha o cinema mundial com uma certa regularidade geralmente sabe o que aguardar de um filme iraniano: universo infantil mesclando-se com temática social, elenco composto basicamente por atores amadores, fotografia e montagem que remetem ao neo-realismo italiano. Mesmo caindo um pouco nessa previsibilidade, "Tartarugas Podem Voar", de Bahman Ghobadi (o mesmo diretor do bom "Tempo de Embebedar Cavalos"), é uma obra de luz própria e que apresenta particularidades dentro da linha de produções iranianas.

Logo no seu começo, "Tartarugas Podem Voar" já apresenta uma de suas melhores qualidades: um protagonista fortemente carismático. "Satélite" (Soram Ebrahim) é um garoto órfão responsável por colocar a vila de refugiados curdos iraquianos onde vive em contato com o mundo. Como o período da trama se passa justamente durante esse último conflito entre EUA e Iraque, seu papel na comunidade é mais do que fundamental. Além disso, é líder das crianças que se dedicam a caçar minas para vender nas cidades próximas. A forma com que Ghobadi apresenta o personagem é muito interessante: "Satélite" é a figura de lucidez num mundo que parece estar sempre pronto a desabar. Mesmo não agindo por motivos altruísticos, parece ser o elo que mantém a sua vila ainda ligada a civilização. O jovem ator Soram Ebharim é uma revelação, sendo que ele compõe com sensibilidade um personagem que parece estar sempre a ponto de entrar em colapso.

Talvez a nuance que mais faz com que "Tartarugas Podem Voar" se destaque de outras produções conterrâneas é a forma com que a sua narrativa oscila entre a ironia e a amargura. E quando esse lado melancólico entra em cena, sempre é com uma força devastadora. Isso fica evidente quando surge na trama a estranha "família" composta por um adolescente sem braços especialista em desarmar minas com a boca, uma garota soturna e uma criança cega. Ao mesmo tempo que aos poucos os segredos dos mesmos vão se desnudando, "Satélite" começa a se envolver com os jovens em questão, revelando um lado benevolente e inocente desconhecido até então. O garoto vê em Henkov (Hirsh Feyssal), a garota de eterno semblante taciturno, uma chance de finalmente ter uma família e uma vida normal. A visão cruel dos fatos mostrados em "Tartarugas Podem Voar", entretanto, não permite complacência ou redenção para os seus personagens. À medida que conhecemos os motivos que levam Henkov a ser tão dura percebemos também que não espaço para soluções fáceis no filme.

Ghobadi conduz o seu filme também com um estilo bem interessante. Predomina em boa parte da produção uma forma de filmar com tons fortemente documentais. Em alguns momentos, contudo, o cineasta insere em sua narrativa alguns toques oníricos, principalmente nas seqüências em que são focalizados as lembranças e os pesadelos de Henkov. Esse contraste entre sonho e realidade tem um efeito perturbador, sendo um dos ponto altos de "Tartarugas Podem Voar". O cineasta consegue também obter outro punhado de seqüências antológicas nas tomadas aquáticas no lago em que os personagens costumam se banhar, com tais cenas indo do poético ao sinistro.

Mesmo não tendo a precisão formal de obras como "Filhos do Paraíso" e "Onde Fica a Casa do Meu Amigo", títulos que representam o ápice do cinema iraniano, as "Tartarugas Podem Voar" é uma obra expressiva e que merece ser vista. E Bahman Ghobadi mostra que é um nome a se prestar atenção.

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