domingo, julho 26, 2009

Animal Crackers, de Victor Heerman ****


Às vezes, a grandeza de um filme pode ser medida pela forma como ele se torna referência no universo cultural. "Animal Crackers", produção de 1930 e o segundo filme que conta com a participação insana dos Irmãos Marx, é um caso exemplar dessa premissa. Logo de cara, vem à mente a brilhante homenagem aos antigos musicais realizada por Woody Allen em "Todos Dizem Eu Te Amo" (1996), em que umas das seqüências mais memoráveis tinha por tema musical uma das canções principais de "Animal Crackers", a hilária e empolgante "Hooray For Captain Spaulding". E por falar nele, não dá para esquecer também que o tal do Capitão Spalding, personagem inesquecível encarnado por Grouxo Marx, acabou sendo retomado como codinome do assustador patriarca da família de psicopatas de "Rejeitados Pelo Diabo" (2005). Aliás, todos os membros desse gentil agrupamento familiar adotavam os nomes de figuras do universo “marxista”...

Mesmo não sendo tão bem acabado quanto outras obras posteriores dos Irmãos Marx como os antológicos "Diabo a Quatro" (1933) e "Uma Noite na Ópera" (1935), "Animal Crackers" atinge em alguns momentos patamares de humor anárquico e genial tão altos quanto tais produções. Em termos cinematográficos, os Marx ainda estavam procurando o melhor formato para adequarem os seus dotes cômicos. Isso sem contar que o diretor Victor Heerman não tinha o mesmo vigor e inspiração de Leo McCarey, o cineasta que melhor dimensionou a loucura fora de controle dos brothers. Apesar desses pequenos reveses, entretanto, Grouxo, Chico e Harpo oferecem ao espectador algumas das melhores seqüências da história da comédia cinematográfica.

Em "Animal Crackers", há bastante daquilo com que se está acostumado, e das quais nunca se cansa, em filmes dos Irmãos Marx: os diálogos e jogos de palavras recheados de tiradas desconcertantes de Grouxo (a melhor delas: “O primeiro número do senhor Ravelli será ‘Em alguma parte minha amada está deitada a dormir’com um coro masculino”), a capacidade quase ingênua de Chico em criar confusões, o humor puramente visual do mudo Harpo, a pateta de trejeitos aristocráticos Margaret Dumont sendo infernizada/seduzida pela ironia ácida de Grouxo, além, é claro, dos números musicais de Chico mostrando um virtuosismo malabaristico ao piano e de Harpo debulhando puro lirismo na sua harpa. Ah, tem também a sem-gracice tradicional do Zeppo, o irmão Marx mala, mas isso a gente até desconsidera...

"Animal Crackers" é baseado em uma comédia musical encenada pelos próprios Irmãos Marx na Broadway, com canções de Bert Kalmar e Harry Ruby, e a sua origem se evidencia em alguns trechos do filme, quando se fica com a impressão de se estar assistindo a puro teatro filmado. No final das contas, entretanto, isso acaba se revelando apenas como mero detalhe. Afinal, o que importa é assistir aos Marx transformando o fio de roteiro em desculpa para destilar o seu humor devastador, que beira quase o surreal, além de se ter o prazer de ouvir e assistir a alguns dos mais belos números musicais que Hollywood já ofereceu em canções como "Hooray For Capitain Spalding" e "Why am I So Romantic". E justamente talvez esse seja o efeito mais peculiar e perturbador da cinematografia dos Irmãos Marx: ao mesmo tempo que somos acariciados pelo humor fluente deles e a beleza envolvente das melodias que permeiam seus filmes, também convivemos com o sentimento de perigo de uma piada ou de uma atitude bufona que pode jogar para escanteio as estruturas lineares de narrativa assim como a própria realidade. Ou seja, sedução e transgressão convivem lado a lado, o que torna o humor siderado desses eternos rapazes ainda muito avançado e desafiador, mesmo para esse cínico novo milênio em que vivemos.

Um comentário:

Silvio disse...

Valeu! Monkey Business (Os Quatro Batutas) também é muito bom.