domingo, julho 26, 2009

Top Hat, de Mark Sandrich ***1/2


Passados mais de 70 do seu lançamento, talvez compreender e apreciar os encantos de "Top Hat" seja uma tarefa árdua para boa parte do público desse milênio, ávido por realismo e densidade psicológica. Afinal, tais atributos passam longe da obra em questão. Para o espectador moderno deve ser realmente difícil aceitar uma trama tão pueril e ingênua, além daquilo que é o “pecado” maior desse tipo de produção: afinal, por que essa gente feliz está toda hora cantando e dançando de forma repentina e sem maiores explicações?

O pensamento desse público “moderno” poderia nos fazer pensar, então, que o mundo realmente decretou a morte dos musicais de forma irreversível e que assistir à Top Hat seria um mero exercício de aprendizado histórico. Mas daí o apreciador de cinema desavisado assiste a "O Paciente Inglês" (1996) e acaba simpatizando com uma personagem tão arredia como o Conde Laszlo (Ralph Fiennes) simplesmente pelo fato dela ser fã do Fred Astaire, chegando ao ponto até de tentar imitar uns passos do velho mestre do sapateado. E quando termina o filme, a melodia sinuosa de "Cheek to Cheek", canção emblemática de "Top Hat", não sai da nossa mente e sem querer nos momentos mais inesperados estamos assobiando a tal da música.

É claro que "Top Hat" está longe da perfeição formal de outros grandes clássicos do cinema como "Cidadão Kane" ou "O Poderoso Chefão". A banalidade do roteiro é tamanha que passados alguns minutos depois de assistir ao filme é difícil lembrar do que se tratava a história do mesmo. A verdade é que fora as magníficas canções e coreografias de danças, pouca coisa se consegue lembrar de "Top Hat". E isso não é nenhum demérito, pois a proposta é justamente essa: roteiro, fotografia e montagem funcionam a contento e são apenas meros pretextos para os maravilhosos números musicais que inundam a tela e nos enchem os olhos. Ou seja, é puro escapismo, mas executado com sensibilidade e competência ímpares. E escapismo bem realizado era tudo que os nortes-americanos (e o resto do mundo também) precisavam em meados da década de 30, quando a sociedade ainda estava em fase de recuperação da terrível recessão econômica decorrente da famigerada queda da Bolsa de 1929.

"Top Hat" representa o ápice de uma fórmula infalível e consagrada do estúdio da RKO e que fez com que o mesmo enchesse os seus cofres de grana (e permitiu depois que um certo jovem chamado Orson Welles torrasse um pouco dessa grana fazendo o tal do "Cidadão Kane"...). Além de habitual eficiência do diretor Mark Sandrich, havia a antológica e bem azeitada parceira de Fred Astaire e Ginger Rogers, o casal dançarino mais marcante da histórica do cinema, junto a um conjunto de canções sublimes da dupla Irving Berlin e Max Steiner. Aliás, a parte musical de "Top Hat" é tão extraordinária que não foi apenas a canção título do filme (a qual Fred Astaire não gostava) que se tornou peça fundamental do cancioneiro norte-americano, mas também a já citada "Cheek to Cheek" e "Isn’t It a Lovely Day". E convenhamos: diante do pleno apogeu desses talentos extraordinários em se tratando de canções, atores e coreografias, quem é que realmente vai ser importar com um roteiro débil?

O que fica mesmo gravado no nosso imaginário e torna "Top Hat" tão especial para os admiradores de musicais (e também da arte cinematográfica em geral) é o puro prazer sensorial de se assistir à mágica química dançante de Fred e Ginger deslizando majestosamente por um coreto londrino ou nos canais da Veneza falsa (mas ainda assim bela) dos cenários da RKO ao som de alguns dos mais marcantes números musicais do século XX. E, sinceramente, precisa algo mais do que isso?

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