quarta-feira, agosto 24, 2016

Francofonia, de Alexander Sokurov ****

A linha narrativa de “Francofonia – Louvre sob ocupação” (2015) parece obedecer a uma lógica estética e existencial bastante particular – é como se o espectador fosse jogado dentro de um fluxo de consciência do diretor russo Alexander Sokurov. Tal descrição pode sugerir que o filme em questão esteja ligado a uma mera egotrip artística, mas na verdade a obra de Sokurov vai muito mais além disso. Trata-se de uma reflexão fílmica sobre a guerra, a arte e os valores ocidentais em que o cineasta se vale de recursos e referências diversos para engedrar um estilo único, algo que ele já tinha delineado em “A arca russa” (2002) e que nesse trabalho mais recente se consolida de forma ainda mais radical. Nessa peculiar e desconcertante concepção formal, recriação dramática, linguagem documental, ensaio filosófico e digressões pessoais se combinam com uma naturalidade impressionante, causando um efeito por vezes hipnotizante na sua síntese narrativa que casa registro histórico e encenação entre o realismo e o sutil delírio onírico. Sokurov se vale de tais recursos não apenas como um exercício de virtuosismo e experimentação da linguagem, mas também para aprofundar a dimensão humanista que oferece ao retratar o período em que o museu do Louvre ficou sob o domínio nazista durante a ocupação alemã na França durante a 2ª Guerra Mundial. O diretor rompe com os preceitos típicos do gênero do cinema de época: mais importante que a pretensa fidelidade histórica relativa à recriação física do ambiente e dos indivíduos, é primordial o resgate de uma atmosfera cultural e social da época e que se estende para a ligação intrínseca entre caracterização psicológica de determinadas pessoas e o contexto político que as cerca. Se num primeiro momento “Francofonia” se apresenta como um insólito exercício de revisionismo histórico, com o seu desenrolar as soluções criativas de Sokurov configuram uma obra que também procura e sugere respostas que para o nosso conturbado presente.

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