quarta-feira, agosto 31, 2016

Café Society, de Woody Allen ***1/2

O cinema de Woody Allen representa uma constante reciclagem, não só de referências alheias como também da própria filmografia do veterano cineasta nova-iorquino. “Café Society” (2016), numa primeira visão sobre a sua trama, logo de cara faz pensar em “Tiros na Broadway” (1994), em que o ambiente boêmio e festivo de artistas se relacionava com naturalidade com o universo do banditismo de gangsteres. Mas a obra mais recente de Allen vai muito mais além no seu revisionismo, mostrando que tal aspecto é inerente ao próprio traço autoral do diretor, ampliando o seu espectro artístico e existencial. O ótimo roteiro conjuga habilmente elementos de gêneros diversos do cinema clássico norte-americano, aliando diálogos cômicos espirituosos na linha irmãos Marx, drama elegante e melancólico na linha “Casablanca”, belos números musicais, tudo isso embalado por uma encenação primorosa, ágil edição, elenco inspirado e a direção de fotografia monumental de Vittorio Storaro. E mesmo as sequências que se voltam para o cinema policial surpreendem pela notável síntese de violência e humor negro, lembrando alguns dos melhores trabalhos nessa linha de Martin Scorsese (seria uma homenagem ao colega?). Nesse elemento de obra policial, há um profundo subtexto sócio-político – a de que a prosperidade econômica nos Estados Unidos é fortemente ligada a iniciativas empreendedoras de criminosos e contraventores. E vale ainda mencionar que dos filmes mais recentes de Allen, talvez “Café Society” seja aquele em que a sua relação de amor com a cidade de Nova Iorque fica mais em evidência – a trajetória do protagonista nova-iorquino Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg) que volta para a sua cidade depois de se desiludir em Los Angeles e acaba se tornando bem sucedido profissionalmente em meio a festas e tiros parece guardar ressonância com a do próprio Allen que nos últimos tempos andava ambientando suas tramas em outras cidades, inclusive europeias, e agora volta a filmar em sua terra natal, retratando-a com notável paixão.

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