sexta-feira, junho 21, 2019

Suspiria, de Luca Guadagnino ****


No terreno das refilmagens, poucas obras podem ser consideradas como verdadeiras recriações tais como a recente versão de “Suspiria” (2018). Se o filme original dirigido por Dario Argento, lançado em 1977, era uma combinação brilhante de violento terror gráfico e barroquismo beirando o delirante, aliada a um roteiro que respeitava a tradicional divisão maniqueísta entre o bem e o mal (nesse último caso, representado na figura das feiticeiras), na revisão do cineasta Luca Guadagino permanece um formalismo de forte caráter virtuosístico, mas o horror agora recebe uma forte conotação de simbologias sócio-políticas. O papel das bruxas ainda é a de antagonistas, ainda que se contextualizando em aspectos existenciais mais complexos. A trama é inserida em um conturbado contexto local-histórico – a Alemanha de meados dos anos 70 tomadas por manifestações estudantis em prol de grupos terroristas. Se tais organizações eram vistas por alguns como legítimas contestações ao ordenamento burguês-cristão-patriarcal da sociedade ocidental, as bruxas que comandam uma academia de dança moderna em Berlin acabam ganhando de maneira perversamente sutil (e cortante) essa conotação de desafio à ordem vigente. Sem simplificar essas questões histórico-políticas, o filme faz um inventário artístico-temático sensível e contundente de fatos decisivos na formação cultural do século XX – 2ª Guerra Mundial, Guerra Fria, contracultura – evidenciando para a humanidade um período em que os conflitos armados, a exploração sócio-econômica e a opressão religiosa-comportamental criaram um ambiente de paranoia e violência (com reflexos que sentimos até os dias de hoje). Guadagnino ainda aproveita as possibilidades criativas de boa parte da história se desenvolver em uma academia de dança expondo na tela sequências luxuriantes e perturbadoras de balés coreografados com precisão e originalidade atordoantes. Nesse sentido, a síntese entre dança e horror faz lembrar outra obra extraordinária lançada recentemente, “Clímax” (2018). É claro que a particular concepção artística engendrada por Guadagnino provocou repulsa em boa parte dos apreciadores do longa de Argento e mesmo de fãs de terror convencional, mas o que realmente frustraria seria tentar adaptar a obra original mimetizando preguiçosamente maneirismos estéticos e textuais de quarenta anos atrás. Nesse sentido, a visão autoral de Guadagnino na verdade também serve para atestar a atemporalidade do filme de Argento mostrando a impossibilidade de apenas tentar repetir aquilo que já havia sido feito com brilhantismo nos 70.

Nenhum comentário: