quinta-feira, setembro 04, 2008

Bens Confiscados, de Carlos Reichenbach ***1/2


Eu tenho uma opinião sobre o que é mais importante para alguém ser um bom cineasta. Mais relevante do que ser inteligente, ter bom gosto cultural e consciência social ou fazer alguma faculdade de cinema, o cara tem de ser um cinéfilo. Não basta amar fazer filmes: tem de amar também assistir filmes. Se o nosso amigo não for um doente por cinema, sinto muito, mas ele estará nessa pela grana ou para comer as gatinhas.

Bem, essa breve digressão que fiz serve para embasar o fato de que Carlos Reichenbach, junto com Zé do Caixão, é o grande animal cinematográfico em atividade no Brasil. O homem respira cinema. Nunca é demais lembrar, por exemplo, que ele é o responsável pelas sessões Comodoro em São Paulo, projeto esse assemelhado aos Raros aqui de Porto Alegre, ambos destinados a exibir ao público filmes de díficil acesso.

E é claro que toda essa paixão cinematográfica de Carlos Reichenbach transparece em sua obra como cineasta. "Bens Confiscados" é exemplo do seu amor pela imagem em movimento. A começar pela sua magnífica seqüência de abertura, com um espetacular plano sobre a cidade de São Paulo que se estende para o apartamento de uma mulher preste a se suicidar. Muito boas também as tomadas obtidas por Carlão do litoral gaúcho, sendo que ele capta com perfeição uma certa beleza melancólica típica das praias do RS (efeito esse semelhante ao conseguido por Jorge Furtado em "Houve Uma Vez Dois Verões").

O ponto fraco de "Bens Confiscados" está no roteiro, que traz alguns excessos de situações desnecessárias (não é tão compacto e enxuto, por exemplo, quanto a trama de "Dois Córregos", um dos melhores filmes de Reichenbach). Mesmo assim, a história engedrada por Carlão traz aspectos bem interessantes. Achei fantástico, reforçando tais aspectos, a inversão de expectativa que se faz naturalmente ao logo do filme, sendo que o cineasta nos dá a entender que a enfermeira Serena, interpretada por Betty Faria, seria o vetor de maturidade e sabedoria da trama, quando na realidade o jovem Luiz Roberto (Renan Augusto) é quem tem a visão mais lúcida sobre o que está acontecendo, mesmo coberto pelo seu comportamento impulsivo e rebelde. Aliás, o trabalho de Carlão na caracterização de seus personagens é primoroso. Ele tem a consciência de que o bom personagem não é aquele que tem maior densidade psicológica, mas sim o que tem caráter carismático e funcional adequado para a sua trama. Nesse sentido, são antológicos as performances deliciosamente caricaturais de André Abunjara e Beth Goulart. Até Werner Schünemann tem um desempenho acima da sua média, sendo que mesmo algumas pontas como a de Eduardo Dusek e Bira Valdez são fortemente marcantes.

E é claro que não se poderia comentar "Bens Confiscados" sem mencionar a seqüência em que os personagens interpretados por Marina Person, Fernanda Carvalho Leite e Renan Augusto se enroscam de maneira insólita na beira da praia, em um dos mais belos momentos eróticos do cinema brasileiro dos últimos tempos.

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