sábado, agosto 29, 2009

Feliz Natal, de Selton Mello ***1/2


Se como ator Selton Mello consegue ser irritante em alguns dos seus maneirismos, no seu lado como cineasta ele consegue ser bem mais fluente e interessante. “Feliz Natal” (2008), seu de estréia na direção, é a prova natural disso. Logo nas primeiras cenas já se fica surpreendido com a paixão de Mello pela imagem cinematográfica: as tomadas do ferro velho, com enquadramentos magníficos sob iluminação naturalista e saturada, têm um impacto fortíssimo. Esse gosto pelas imagens, e não palavras, que traduzem idéias e concepções paira por todo o filme. O estilo de filmar pode ser seco e objetivo, mas também tem um corte elegante: não se cai na armadilha fácil de câmeras que tremem ou que ficam fora do foco da ação principal. A lente do diretor é contemplativa e curiosa. Acompanha de forma detalhada a desintegração psicológica e emocional da família do protagonista Caio (Leonardo Medeiros), com a câmera investigando toda a sordidez e falta de esperança que emanam das situações e dos personagens. Mello, todavia, não esquece de pingar sobre a trama um pouco de um senso de humor agudo e perverso. Nesse sentido, é inesquecível a cena em que o cunhado bonachão e desempregado fica devorando pernil e farofa durante a ceia de Natal enquanto patriarca e matriarca (Lúcio Mauro e Darlene Glória) discutem da forma mais áspera e bagaceira possível.

Outro ponto alto de “Feliz Natal” são as atuações dramáticas que Selton Mello consegue extrair do seu elenco. Leonardo Medeiros atinge o seu auge como ator ao compor sutilmente um Caio imerso em fragilidade e culpa. Lúcio Mauro, de rosto pétreo e gestos econômicos, é o retrato perfeito da amargura, enquanto Darlene Glória oferece uma interpretação completamente over mas adequada a uma idosa mergulhada na loucura e no alcoolismo. Já Paulo Guarnieri surpreende ao caracterizar uma imensa melancolia apenas no seu olhar triste e apagado. Graziella Moretto sai do seu registro cômico habitual e oferece o retrato muito bem delineado da mulher frustrada em todos os sentidos.

Mesmo não sendo uma obra-prima, “Feliz Natal” é aquele tipo de produção que cria uma tremenda expectativa sobre o que seu autor pode oferecer no futuro, além de dar vontade de pedir ao Selton Mello que largue a carreira de ator e se concentre só em fazer filmes (tudo bem, estou exagerando: em “Lavoura Arcaica” e “O Cheiro do Ralo” ele teve atuações extraordinárias).

5 comentários:

Davi disse...

Puta filme mesmo! Valeu a dica.

André Kleinert disse...

Legal que tu tenhas assistido ao filme. Acho que "Feliz Natal" foi um pouco injustiçado, pois ficou pouco tempo em cartaz e não teve muita repercussão na mídia ligada a cultura.

Davi disse...

Vi algumas entrevistas interessantes com o Selton Mello. Gosto dele como ator, tem uma persona interessante, mas é quase sempre mal dirigido. Mas fiquei mais curioso com o trabalho dele como diretor.

Acho que ele faz algumas concessões ao "cinema alternativo", com aquele final, que tornam ele um pouco artificial, mas é uma puta estréia. Chegaste a ver "Moscou"? Acho que perdi de ver. Ainda tenho que ver "Amantes" e "Se Nada Mais Der Certo". O primeiro cheguei duas vezes atrasado ao cinema, o segundo tá em horários difíceis pra mim ou no cine-torcicolo, que eu ando me negando a ir.

André Kleinert disse...

"Moscou" vou assistir no próximo domingo (20/09). Confesso que é uma incógnita para mim, pois achei "Jogo de Cena" apenas um bom filme, ao mesmo tempo que há algo de indulgente e desonesto no filme: ele se propõe como auto-questionador de sua forma, mas tem um discurso de "conteúdo" feito para agradar as platéias.
"Amantes" é maravilhoso, está no meu Top 3 do ano até o momento. Como já disse em outros lugares, parece um filme intimista realizado como um épico dirigido por Coppola.
"Se Nada Mais Der Certo" tem as suas imperfeições (assim como "A Concepção"), mas mesmo assim é o melhor filme nacional de 2009 de não ficção até o momento.

André Kleinert disse...

Retificação: em relação ao "Se Nada Mais de Certo", eu quis dizer o melhor filme nacional de FICÇÃO até o momento.