terça-feira, novembro 01, 2016

Demônio de neon, de Nicolas Winding Refn ****

A obra-prima “Drive” (2011) se provou como uma extraordinária exceção dentro do estilo habitual do diretor Nicolas Winding Refn, pois era uma obra marcada por uma narrativa precisa e de formalismo clássico que se adaptava de acordo com a marca autoral do cineasta. Nas demais produções de sua filmografia, o dinamarquês investe numa abordagem que valoriza muito mais o sensorial e o atmosférico do que os meandros do roteiro, vide filmes antológicos como “O guerreiro silencioso” (2009) e “Apenas deus perdoa” (2013). “Demônio de neon” (2016) é uma continuação dos preceitos artísticos de Refn – imagine-se um conto moral às avessas sobre a beleza e a inocência marcado por uma ambientação difusa de hedonismo, horror e delírio onírico e se pode ter uma ideia do que representa essa estranha narrativa. As referências visuais e temáticas são diversas e insólitas, como o horror sensual e barroco de Mario Bava, as nuances enigmáticas de David Lynch, o realismo de corres berrantes de algumas produções oitentistas (leia-se “O fundo do coração” e “Dublê de corpo”). Refn amarra todas essas influências e citações dentro de uma linguagem coesa e particular, fazendo o espectador entrar num vórtice de loucura, violência e erotismo, ora repugnante, ora bizarramente encantador. O esmero estético se manifesta em cada detalhe do filme e não se reduz a mero exibicionismo técnico, revelando notável sintonia existencial com a própria natureza misteriosa e simbolista do roteiro, conforme pode ser observado na climática trilha sonora de temas eletrônicos, na fotografia que varia com notável desenvoltura entre o sombrio sutil e o luminoso exagerado, na encenação de síntese desconcertante entre o naturalismo e o estilizado, na caracterização maneirista e icônica dos personagens. Por falar nisso, é curioso perceber que no elenco da produção está Karl Grusman, que atuou no papel principal de “Love” (2015), de Gaspar Noé, cineasta que é uma espécie de gêmeo criativo existencial de Refn.

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