terça-feira, novembro 14, 2017

No intenso agora, de João Moreira Salles ***1/2

Em “Santiago” (2017), o documentarista João Moreira Salles construía uma narrativa intimista vinculada a uma temática de caráter bastante pessoal a partir de registros concebidos e realizados originários de filmagens próprias. Já em “Últimas conversas” (2014), o derradeiro longa-metragem de Eduardo Coutinho, Salles foi responsável por fazer os arremates finais no material coletado por Coutinho, principalmente no que diz respeito à montagem, tendo em vista a morte desse último. De certa forma, “No intenso agora” (2017) parece evocar um cruzamento entre os dois filmes mencionados anteriormente: a partir de registros audiovisuais e imagens exclusivamente de terceiros, o cineasta constrói a sua narrativa marcada pelo subjetivismo e pessoalidade. O trabalho de edição é engenhoso e delicado – filmagens amadoras, trechos de documentários, passagens de produções de caráter institucional, partes de reportagens, tudo vai se juntando e relacionando tendo como princípio uma visão artística e existencial delimitada com sensibilidade. Essa visão se personifica na narração de própria voz de Salles. O tom monocórdio da locução e o texto que sintetiza relato histórico e reminiscências pessoais formam um conjunto perturbador e ambíguo que dá um sentido particular desconcertante para as imagens e sons que brotam da tela. A impressão sensorial é de um longo devaneio de Salles que mistura melancolia, desilusão, nostalgia, ironia amarga e uma sutil e vaga noção de deslumbramento. Pode-se argumentar que há um tom vacilante e difuso na narrativa que sugira um direcionamento ideológico, mas a verdade é que “No intenso agora” não tem um propósito primordial de convencer alguém de alguma coisa. Está mais para a tentativa de materialização fílmica de determinados sentimentos e desejos que talvez nem o próprio Salles saiba direito do que se trata. E é nessa imprecisão nebulosa de intenções que reside o encanto de seu documentário.

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