Já faz alguns anos que a Pixar deixou de ser a incontestável
reserva criativa das animações norte-americanas. A produtora tem apresentado
uma incômoda oscilação artística em suas produções recentes, bem distante dos áureos
tempos de filmes antológicos como “Os incríveis” (2004) e “Wall-E” (2008). Isso
não quer dizer, entretanto, que tudo que lança seja destituído de interesse. “Viva
– A vida é uma festa” (2017) pode não trazer a mesma classe narrativa e nem a
inventividade gráfica das grandes obras-primas da Pixar, mas ainda assim
reserva algumas agradáveis surpresas para o público. Sem o psicologismo barato
e pretensioso de “Divertida mente” (2015) ou a narrativa amorfa de “Carros 3” (2017), o filme dos diretores
Lee Unkrich e Adrian Molina investe em um grafismo exuberante e festivo,
valorizando com sensibilidade algumas interessantes nuances da cultura
mexicana, além de apresentar uma trama sentimental de forte empatia com a platéia.
De se destacar ainda uma certa atmosfera de morbidez irônica e os belos temas
de teor latino da trilha sonora. Claro, “Viva” não chega a configurar algo exatamente
original, mas é uma animação bem eficaz na execução de seus simpáticos clichês
estéticos e emocionais.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
terça-feira, janeiro 30, 2018
segunda-feira, janeiro 29, 2018
The Post - A guerra secreta, de Steven Spielberg **1/2
A intenção de Steven Spielberg em “The Post – A guerra
secreta” (2016) é clara e simples – a releitura moderna do gênero thriller político
aos moldes de determinadas produções norte-americanas setentistas, como “Todos
os homens do presidente” (1976) ou “Três dias de condor” (1975). De certa
forma, ele já tinha feito esse tipo de recriação no brilhante “Munique” (2005).
Nesse trabalho mais recente, entretanto, o resultado final foi menos satisfatório.
Há alguns momentos no filme, principalmente ali pelo segundo terço da
narrativa, que dá para sentir aquela boa pegada tradicional de Spielberg em
termos de encenação e montagem, em que a dinâmica engendrada pelo diretor
consegue criar uma certa atmosfera de tensão envolvente. Mas o que acaba
efetivamente predominando em “The Post” é uma narrativa mofada e esquemática
que dá a constante impressão de que Spielberg conduz tudo no piloto automático.
As sequências iniciais de guerra, por exemplo, tem uma desenvoltura artificial
e asséptica, em nada lembrando o cineasta que criou inesquecíveis épicos bélicos
como “Império do sol” (1987) ou “O resgate do soldado Ryan” (1998). A forma
como a perspectiva histórica se mostra em cena também é primária e enfadonha,
sugerindo por vezes uma desenvoltura de documentário institucional corriqueiro.
E o terço final de “The Post” guarda seus principais equívocos, com Spielberg
abusando de óbvios e apelativos truques narrativos e textuais. Faltou para o
diretor a notável sobriedade estética e temática com que Martin Scorsese, seu
colega contemporâneo da Nova Hollywood, conduziu a narrativa no extraordinário “Silêncio”
(2016).
quinta-feira, janeiro 25, 2018
O quarto andar, de Josh Klausner *
Quando despontou no panorama cinematográfico, Juliette Lewis
causou um impacto considerável. Algumas de suas atuações marcantes em obras
memoráveis lhe garantiram um espaço no imaginário dos apreciadores de cinema –
como esquecer aquele misto de inocência e sexualidade latente no brutal “O cabo
do medo” (1991), a caracterização cool e charmosa em “Maridos e esposas” (1992)
ou a ferocidade alucinada e irônica em “Assassinos por natureza” (1994)? Diante
da riqueza artística dessa sua filmografia inicial, é chocante vê-la atuando em
um negócio tão ruim e ordinário quanto “O quarto andar” (1999), um suspense
vagabundo repleto de clichês narrativos executados de maneira indigente. O que
pode explicar uma escolha tão equivocada? Falta de opções melhores? Drogas
ruins? E há também o detalhe de que esse abacaxi dirigido por Josh Klausner
conta ainda no elenco com o oscarizado William Hurt e a ótima Shelley Duvall. Tem
coisas que só quem é de Hollywood entende mesmo...
sexta-feira, janeiro 19, 2018
Me chame pelo seu nome, de Luca Guadagnino ****
Estética e temática em “Me chame pelo seu nome” (2017) obedecem
a um conceito artístico insinuante e desafiador – a da possibilidade de uma
transcendência existencial fora de ortodoxos e hipócritas preceitos morais e religiosos.
A jornada de autodescoberta do jovem protagonista Elio (Timothée
Chalamet) passa pela carnalidade de uma tensão entre o apolíneo e
o dionisíaco em uma temporada de verão na casa de campo dos pais. Nesse
período, ele desfrutará das delícias e agruras de uma rotina baseada em
literatura, música, história, paisagens naturais deslumbrantes, afiados
diálogos eruditos e sexo. A abordagem narrativa e formal colocada em prática
pelo diretor Luca Guadagnino complementa todas as nuances da trama com precisão
e uma sensibilidade desconcertante. Fotografia e edição se desenvolvem na busca
de um cinema sensorial, além de incorporarem em seu modus operandi os ideais de
beleza discutidos pelos personagens em cena. Nesse sentido, a encenação tem um
cuidado absurdo na valorização do gestual e expressão dos personagens. Elio e
Oliver (Armie Hammer) se movimentam, por vezes, como se emulassem as figuras
das estátuas da cultura greco-romana que o professor Perlman (Michael Stuhlbarg),
pai de Elio, tanto admira e discute. O subtexto humanista de tais analogias
visuais e textuais é cortante, quase perverso, em suas constatações,
principalmente na impossibilidade de se passar incólume diante das
possibilidades libertárias propiciadas pelo contato com o universo da arte e da
cultura. Aliás, é de se destacar o fenomenal trabalho de direção de arte do
filme, pois mais do que buscar uma fidelidade temporal ou a mera beleza plástica
gratuita, há uma preocupação em evidenciar com sutileza um conjunto visual em
sintonia com o espírito da obra. É de se reparar, por exemplo, na forma com que
livros, instrumentos musicais, estátuas, quadros e mesmo estilosas peças de vestuário
se espalham pelos ambientes em que se desenvolve a trama. A mesma impressão é
passada pela trilha sonora, que tanto sabe valorizar expressivos silêncios como
sublinhar de maneira sutil a força dramática e mesmo irônica de importantes
sequências com temas que se alternam com naturalidade entre o erudito, o folk e
o rock. O notável senso cênico de Guadagnino e o roteiro complexo e de rara profundidade
psicológica de James Ivory coroam as sofisticadas escolhas artísticas de “Me
chame pelo seu nome” com dois momentos antológicos nas sequências finais do
filme: o quase monólogo filosófico e sentimental de Perlman para consolar Elio
e o longo plano-sequência fixo de pura ação interna desse último. A forma como
essas duas cenas se inter-relacionam tem uma contundente coerência
artística-existencial e sintetiza de maneira extraordinária o significado desse
memorável trabalho de Guadagnino.
quinta-feira, janeiro 18, 2018
Um bom partido, de Gabriele Muccino *1/2
O diretor italiano Gabriele Muccino capitula de forma
fragorosa em “Um bom partido” (2012). Em suas primeiras produções em sua terra
natal, ele havia demonstrado considerável talento na reciclagem de tradicionais
elementos narrativos e temáticos do gênero comédia dramática. Na mencionada
produção norte-americana, entretanto, quaisquer traços autorais ou de
originalidade artística são sepultados em nome de uma linguagem mais comercial
e despersonalizada. Algumas atuações carismáticas do elenco, com destaque para
Gerard Butler e Dennis Quaid, e mesmo a temática do roteiro que une esporte e
drama familiar por vezes sugerem algo de promissor, mas tudo vai se diluindo em
um conjunto artístico medíocre e conservador.
quarta-feira, janeiro 17, 2018
A flor do mal, de Claude Chabrol ***
A síntese entre suspense aos moldes de Hitchcock e drama
intimista-familiar praticada por Claude Chabrol em “A flor do mal” (2003) já
teve resultados mais impactantes em outras do diretor francês. Ainda assim,
trata-se de um filme memorável pela forma elegante e precisa com que o cineasta
conduz a narrativa, além da atmosfera que permeia a trama que concilia sordidez,
distanciamento e um suave erotismo. Também é interessante a forma com que o
subtexto de teor histórico e político do roteiro se insinua para o espectador –
em meio a tradicionais situações e viradas na trama típicas de um filme de
mistério, há uma sutil reflexão sobre o fantasma nazista a influenciar a
sociedade europeia mesmo após décadas do fim da 2ª Guerra Mundial.
segunda-feira, janeiro 15, 2018
Lou, de Kordula Kablitz-Post **
A vida da intelectual russa Lou Andreas-Salomé teria tudo
para render uma cinebiografia interessante, configurando uma explosiva síntese
de feminismo, filosofia, psicanálise, erotismo e crítica sócio-comportamental
tendo como cenário principal o complexo contexto histórico da Europa do final
do século XIX e primeira metade do século XX. “Lou” (2016), entretanto, padece
dos mesmos equívocos artísticos de “O jovem Karl Marx” (2017) – o tratamento
narrativo conservador e previsível está bastante distante da ousadia artística
e existencial de sua protagonista. O roteiro se contenta a uma formatação
folhetinesca, reduzindo os principais dilemas e contradições que envolviam a
figura de Andreas-Salomé a banais conflitos melodramáticos, além de retratar de
forma simplória personagens históricos fundamentais para a cultura ocidental
como Freud, Nietzsche e Rilke. O formalismo
concebido pela diretora Kordula Kablitz-Post envereda pela mesma abordagem
destituída de originalidade e vigor, resumindo-se a truques estéticos
desajeitados e recursos narrativos executados de maneira mecânica. Dentro desse
sofrível conjunto artístico, neófitos podem ficar com a impressão de que todas
as importantes personalidades que aparecem ao longo da narrativa do filme,
inclusive a própria Lou, não passavam de adoráveis e apatetadas figuras
excêntricas.
sexta-feira, janeiro 12, 2018
O jovem Karl Marx, de Raoul Peck **
Em tempos de domínio político de ideias fascistas e
reacionárias, um filme como “O jovem Karl Marx” (2017) tem uma função cultural
e humanista bastante relevante. Há um cuidado nessa produção dirigida por Raoul
Peck em expor alguns dos principais fundamentos das teorias marxistas sócio-econômicas
de maneira mais direta e acessível, sem um excessivo verniz acadêmico, além de
contextualizar com alguma fidelidade histórica todo o contexto em que o
protagonista do filme estava inserido ao criar alguns dos seus textos mais
importantes. Peck também teve uma boa sacada ao colocar nos créditos finais
cenas documentais de fundamentais fatos que marcaram os séculos XX e XXI, evidenciando
como as ideias de Marx ainda têm forte ressonância nos dias atuais. O problema
dessa cinebiografia, entretanto, é que sua formatação artística está bem
distante do espírito libertário e de profundidade analítica que eram
característicos de seu principal personagem. O filme se vincula a estética e
narrativa excessivamente convencionais, dando a impressão em diversos momentos
para o espectador de que está vendo algum telefilme careta qualquer, na linha
dessas assépticas e derivativas minisséries globais. Até dá para entender que
essa linha artística conservadora adotada tenha por intenção tornar a obra mais
atraente para um grande público, vide ainda a caracterização idealizada da
figura de Marx no filme. É de se convir também, todavia, que tal opção da
produção lhe tira muito em termos de contundência formal e temática,
deixando-lhe léguas de distância de obras-primas do cinema político panfletário
como “O encouraçado Potenkim” (1925) ou “A batalha de Argel” (1966).
quinta-feira, janeiro 11, 2018
O código, de Boaz Yakin ***
Jason Statham é uma espécie de Stallone ou Schwarzenegger sem o teor megalomaníaco e com a
vantagem que atua melhor em termos dramáticos (mesmo que ele não se importe
muito com isso). Para ele, não interessa que na grande maioria dos seus filmes
interprete basicamente o mesmo papel – o anti-herói durão e de poucas palavras,
que no fundo é um cara legal, que sempre é levado pelas circunstâncias a
distribuir porradas ou sair a mil por hora em um carrão envenenado. Em algumas
dessas produções, o resultado final fica no medíocre ou qualquer nota, mas em
outros trabalhos até que as coisas fluem de maneira envolvente. Nesse último
caso é que dá para enquadrar “O código” (2012). O roteiro prima por premissas inverossímeis
que beiram a cretinice, mas a narrativa e a encenação concebidas pelo diretor
Boaz Yakin têm desenvoltura convincente, com o detalhe ainda sempre expressivo
de sequências de ação bem dirigidas – não custa repetir: em tempos em que Zack
Snyder é referência no gênero aventura/ação, ver cenas de lutas e perseguições
bem coreografadas no modelo tradicional acaba sendo um alento. No mais, Statham
consegue dar um certa consistência psicológica para o seu personagem sem abrir
mão da sua brutalidade habitual.
segunda-feira, janeiro 08, 2018
The square - A arte da discórdia, de Ruben Östlund ***
Apesar de sua trama se concentrar na figura do protagonista
Christian (Claes Bang), a narrativa de “The square – A arte da discórdia”
(2017) tem algo de fragmentada, com as situações do roteiro se sucedendo quase
de forma episódica, por vezes beirando uma espécie de anedotário dos absurdos e
ridículos da sociedade europeia do século XXI. A própria configuração
psicológica do personagem principal obedece a um direcionamento que sintetiza
simbolismo e caricatura – ele é o protótipo do macho branco ocidental
civilizado que por trás de uma máscara de gentileza e erudição esconde
mesquinharias e preconceitos. Nessa levada, a proposta artística-existencial do
filme dirigido por Ruben Östlund fica embretada entre uma forte veia irônica e
um viés humanista, com uma trama que se pretende a retratar os principais
dilemas políticos, sociais e culturais da Europa contemporânea. Por vezes, a
pretensão do cineasta cai em obviedades e simplificações excessivas,
principalmente na forma jocosa e conservadora com que expõe sua visão sobre as
artes plásticas e conceituais dos últimos anos. Nesse sentido, por exemplo, o
extraordinário romance “O mapa e o território” de Michel Houellebecq apresenta
um subtexto mais lúcido e aprofundado sobre o papel da arte no mundo atual. “The
square” tem seus momentos mais memoráveis quando abdica do seu tom discursivo e
embarca numa abordagem mais delirante e nebulosa, vide a antológica sequência
em que um artista emula o comportamento de um selvagem pré-histórico em um refinado
jantar para um público refinado e endinheirado, em um enlouquecido happening
levado às últimas consequências.
sexta-feira, janeiro 05, 2018
Roda gigante, de Woody Allen **1/2
Os primeiros minutos de “Roda gigante” (2017) são bastante
promissores, principalmente pelo fato de ficarem mais em evidência a belíssima fotografia
de Vittorio Storaro e uma direção de arte primorosa que combina na medida exata
realismo e estilização. Quando a encenação efetivamente começa, entretanto, o
filme de Woody Allen desanda de maneira fragorosa. A impressão constante é de
uma peça teatral a parodiar de forma involuntária grandes clássicos da
dramaturgia norte-americana, ainda que embalada por uma concepção imagética
deslumbrante. Por mais que se critique Allen de ser um cineasta que tem o
hábito recorrente de autoreciclar, a verdade é que nessa sua produção mais
recente como diretor ele frustra justamente por não apresentar os seus traços
autorais mais característicos – a narrativa é tediosa na sua falta de fluidez,
o roteiro é genérico nas caracterizações de personagens e situações e também
destituído de verve e ironia convincentes, o desempenho do elenco varia
incomodamente entre atuações inexpressivas, caricaturais ou exageradas. E a
decepção com tais equívocos artísticos fica ainda maior quando se pensa que
Allen teve alguns de seus melhores momentos da sua carreira de cineasta no
gênero dos filmes de época, vide trabalhos antológicos como “A era do rádio” (1987)
ou “Tiros na Broadway” (1994). E mesmo no nostálgico “Café Society” (2016) a
preferência por uma narrativa mais estilizada teve um resultado final bem mais
satisfatório.
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