sexta-feira, janeiro 19, 2018

Me chame pelo seu nome, de Luca Guadagnino ****

Estética e temática em “Me chame pelo seu nome” (2017) obedecem a um conceito artístico insinuante e desafiador – a da possibilidade de uma transcendência existencial fora de ortodoxos e hipócritas preceitos morais e religiosos. A jornada de autodescoberta do jovem protagonista Elio (Timothée Chalamet) passa pela carnalidade de uma tensão entre o apolíneo e o dionisíaco em uma temporada de verão na casa de campo dos pais. Nesse período, ele desfrutará das delícias e agruras de uma rotina baseada em literatura, música, história, paisagens naturais deslumbrantes, afiados diálogos eruditos e sexo. A abordagem narrativa e formal colocada em prática pelo diretor Luca Guadagnino complementa todas as nuances da trama com precisão e uma sensibilidade desconcertante. Fotografia e edição se desenvolvem na busca de um cinema sensorial, além de incorporarem em seu modus operandi os ideais de beleza discutidos pelos personagens em cena. Nesse sentido, a encenação tem um cuidado absurdo na valorização do gestual e expressão dos personagens. Elio e Oliver (Armie Hammer) se movimentam, por vezes, como se emulassem as figuras das estátuas da cultura greco-romana que o professor Perlman (Michael Stuhlbarg), pai de Elio, tanto admira e discute. O subtexto humanista de tais analogias visuais e textuais é cortante, quase perverso, em suas constatações, principalmente na impossibilidade de se passar incólume diante das possibilidades libertárias propiciadas pelo contato com o universo da arte e da cultura. Aliás, é de se destacar o fenomenal trabalho de direção de arte do filme, pois mais do que buscar uma fidelidade temporal ou a mera beleza plástica gratuita, há uma preocupação em evidenciar com sutileza um conjunto visual em sintonia com o espírito da obra. É de se reparar, por exemplo, na forma com que livros, instrumentos musicais, estátuas, quadros e mesmo estilosas peças de vestuário se espalham pelos ambientes em que se desenvolve a trama. A mesma impressão é passada pela trilha sonora, que tanto sabe valorizar expressivos silêncios como sublinhar de maneira sutil a força dramática e mesmo irônica de importantes sequências com temas que se alternam com naturalidade entre o erudito, o folk e o rock. O notável senso cênico de Guadagnino e o roteiro complexo e de rara profundidade psicológica de James Ivory coroam as sofisticadas escolhas artísticas de “Me chame pelo seu nome” com dois momentos antológicos nas sequências finais do filme: o quase monólogo filosófico e sentimental de Perlman para consolar Elio e o longo plano-sequência fixo de pura ação interna desse último. A forma como essas duas cenas se inter-relacionam tem uma contundente coerência artística-existencial e sintetiza de maneira extraordinária o significado desse memorável trabalho de Guadagnino.

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