quarta-feira, novembro 08, 2006


Munique, de Steven Spielberg ****

O que mais me frustrou em relação a “Munique”, produção de 2005 de Steven Spielberg, é que pouquíssimo se falou sobre os inúmeros méritos cinematográficos da obra. A grande maioria de artigos e resenhas preferiu se concentrar em imprecisões históricas e discussões políticas. Na minha opinião, Spielberg não teve como grande preocupação uma rigorosa fidelidade aos fatos, usando os eventos em questão (o atentado terrorista nas Olimpíadas de Munique e suas conseqüências) como pano de fundo para um tenso filme de ação. Tanto que logo no início de “Munique” somos avisados de que o roteiro é “inspirado” em fatos reais. Vale mencionar que Spielberg tão pouco teve a pretensão de oferecer uma visão definitiva sobre o conflito entre árabes e judeus. O seu tema é mais universal, concentrando-se mais sobre a situação de um indivíduo em poder conviver com a idéia de que é um assassino, mesmo que por motivos aparentemente “justificáveis”.

Em termos formais, “Munique” representa mais um dos auges criativos de Spielberg. O cineasta, que já vinha de uma brilhante versão para “Guerra dos Mundos”, parece revitalizar o que melhor se fez no cinema norte-americano dos anos 70, período esse em que se consagrou definitivamente e foi um dos maiores expoentes. Lembramos principalmente do Willian Friedkin de “Operação França” nas seqüências de ação, assim como o Scorsese de “Táxi Driver” e “Caminhos Perigosos” nas cenas marcadas por uma admirável intensidade e crueza dramática. Spielberg mostra a sua genialidade ao saber criar climas tensos e soturnos, filmando inúmeras reuniões e discussões que criam a expectativa na medida certa para o expectador até que os breves, mas memoráveis, momentos de violência irrompam em seqüências de forte impacto (impossível não lembrar daqueles inesquecíveis massacres finais da trilogia “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola, voltando novamente às referências setentistas).

E já que estamos falando em grandes seqüências, isso é algo que há em profusão em “Munique”. A começar pelo sensacional trabalho de montagem, em que passado (o seqüestro e assassinato de atletas judeus, em um rigoroso registro quase documental) e presente (a perseguição de terroristas árabes por parte de agentes secretos israelenses, em tom de puro thriller) se entrelaçam com perfeição. As cenas de ação também revelam a maestria de Spielberg, com o mesmo evocando o grande Sam Peckinpah na exatidão de suas verdadeiras coreografias de violência. Nesse sentido, o ápice é a execução com silenciadores de uma espiã holandesa: os sinuosos movimentos dos assassinos e sua vítima chegam a lembrar uma sombria dança de morte.

Impressiona também em “Munique” a forma nada maniqueísta mostrada da relação entre judeus e árabes. Evita-se a conotação de “mocinhos e bandidos”, fazendo com que se questione se os métodos usados pelos agentes do Mossad são tão diferentes daqueles utilizados pelos terroristas. Essa visão de mundo, em que nada é tão preto no branco, dá uma dimensão humana admirável para o filme, pois acentua ainda mais o dilema moral do líder da missão Avner (Eric Bana) e seus companheiros. O que vemos não são esteriótipos de super agentes secretos, mas sim de indivíduos normais, alguns até mesmo pais de família, que são colocados em situações extremas que os fazem questionar tudo o que acreditavam.

E já que tocamos no assunto, vale mencionar que “Munique” talvez seja a obra mais bem acabada de Spielberg em termos de construção de personagens e interpretações. A começar pelo próprio protagonista, Avner, um indivíduo rico em contradições e dúvidas, mas que ao mesmo tempo é obrigado a agir de forma automática e fria no cumprimento de sua missão. Eric Bana oferece uma interpretação cheia de nuances, ressaltando a dubiedade do personagem e das situações em que o mesmo está envolvido, acabando por tornar Avner próximo do expectador. Já Daniel Craig é o contraponto perfeito para a sutileza de Bana: o seu Steve é pura brutalidade e fúria, um judeu pronto a exterminar o maior número possível de árabes e não sentir um pingo de remorso por isso. E é claro que não dá para esquecer dos franceses Michel Lonsdale e Mathieu Amalri, primorosos na sua canalhice como dois contraventores que vendem informações para Avner.

Enfim, independente dos ideais políticos de quem assiste, “Munique” é um programa imperdível para aqueles que apreciam cinema. Não só por trazer um Steven Spielberg em ótima forma, mas também por trazer muito das melhores qualidades que o cinema norte-americano tem a oferecer.

2 comentários:

Anônimo disse...

É tua melhor crítica. Ever. Genial.

André Kleinert disse...

A modéstia não me impede de dizer que é um dos textos meus que mais gosto. O fato é que o filme é tão rico em referências que fica fácil falar sobre ele. Sobre filmes medíocres, como "Elza e Fred" por exemplo, não há muito o que falar.