No documentário brasileiro “A Alma do Osso” (2004), o diretor Cão Guimarães, ao focar o quotidiano do ermitão Dominguinhos no interior de Minas Gerais, mostra-se mais interessado em fazer uma viagem sensorial em relação ao ambiente do seu protagonista do que em contar a história do mesmo. Em boa parte de sua metragem, o filme retrata algumas atividades corriqueiras do dia-a-dia de Dominguinhos e oferece registros granulados da paisagem rústica que cerca o ermitão. Quando a palavra é dada a Dominguinhos, a sua fala delirante e de uma filosofia bruta torna ainda mais nebulosa a aura misteriosa que o cerca. Cao Guimarães não procura o choque gratuito, mas o retrato que oferece é desconcertante no momento em que a caracterização daquele ambiente parece formar um universo paralelo ao nosso, em que os sinais da civilização só se fazem presentes quando se vislumbra na caverna onde vive Dominguinhos restos da sociedade de consumo que o ermitão adapta e reutiliza dentro da sua particular rotina. Ao mesmo tempo, Guimarães deixa o espectador na dúvida: será o ermitão em questão alguém rejeitado pela sociedade ou alguém que se excluiu por vontade própria? Esse questionamento torna ainda mais perturbador “A Alma do Osso”.
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