terça-feira, janeiro 26, 2016

As maravilhas, de Alice Rohrwacher ***1/2

A diretora italiana Alice Rohrwacher consegue em “As maravilhas” (2014) fazer uma estranha e fascinante síntese entre reminiscências pessoais e referências cinematográficas clássicas. Não é gratuito que a protagonista juvenil do filme se chama Gelsomina, em alusão clara a inesquecível personagem principal interpretada por Giulietta Masina na obra-prima “A estrada da vida” (1954) de Fellini - Rohrwacher busca conexão com aquele típico cruzamento de memorialismo e fantasia que marcou algumas das mais emblemáticas produções do genial cineasta italiano. Por outro lado, o registro por vezes de tons realistas do filme, em que o formalismo dispensa música incidental e se utiliza de uma direção de fotografia de estilo seco e naturalista, parece herdeiro da poética e crua estética que Ermano Olmi imprimiu em “A árvores dos tamancos” (1978). Ainda que se utilize de todas essas influências e citações, “As maravilhas” consegue surpreender por constituir um universo bastante particular na forma com que situações e personagens se desenvolvem ao longo da trama. Num primeiro momento, o retrato da vida no campo da família de Gelsomina (Maria Alexandra Lungu) parece se vincular ao gênero da crônica familiar. Aos poucos, entretanto, a atmosfera sensorial vai se revelando mais difusa e misteriosa. É como se o expectador estivesse tendo acessos a memórias distantes, mas a presenças de canções e tecnologias modernas situam a narrativa em um espaço temporal que insinua o tempo presente. Essa impressão de confusão temporal fica ainda mais acentuada com elementos culturais regionais do interior da Itália que se inserem em determinadas passagens. Se por um lado se poderia pensar numa crônica nostálgica sobre um bucolismo idílico e nostálgico, por várias vezes, de forma sutil, surgem na história elementos fáticos como a crise econômica e a banalização cultural da mídia eletrônica que distorcem essa noção de paraíso rural. O roteiro do filme de Rohrwacher desmonta as ilusões da permanência das tradições e mesmo da noção de conforto existencial que o senso de comunidade e de família podem sugerir no meio de um mundo em constante transformação. Diante disso, a presença de um camelo no meio de um doméstico cenário rural, o melodioso assobiar de um garoto e mesmo a doce brincadeira de esconder abelhas na boca são apenas belos e efêmeros momentos de humanismo.

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