sexta-feira, janeiro 29, 2016

Anomalisa, de Charlie Kaufman e Duke Johnson ***1/2

Por mais que os métodos narrativos do diretor e roteirista Charlie Kaufman possam parecer atípicos, a verdade é que o seu universo artístico não chega a ser exatamente hermético. Suas tramas versam sobre uma temática de forte caráter humanista, como se fossem um retrato existencial do homem moderno e seus dilemas e contradições – a sensação de desajuste social, as dificuldades e as inconstâncias nas relações humanas, o vazio existencial. As escolhas por soluções estéticas inusitadas não são gratuitas, caracterizando uma forma bastante coerente a retratar os aspectos difusos das situações e personagens que aparecem nas histórias concebidas por Kaufman. Num contexto geral, a conjunções entre essas características textuais e formais criam uma forte relação de identificação com boa parte da audiência. Esse viés autoral de Kaufman se preserva de forma consistente em “Anomalisa” (2015). Há um atrativo diferente nessa nova empreitada do cineasta, o de enveredar pelo campo da animação, e isso acaba se revelando como uma opção que ao longo da narrativa mostra a sua pertinência. O filme se baseia num intenso jogo de simbolismos visuais e sonoros a retratar a mente em colapso do protagonista Michael Stone (David Thewis): todos as pessoas com quem o personagem principal se relaciona apresentam o mesmo rosto e a mesma voz, fazendo com que ele fique em um permanente estado de ânimo misto de desinteresse e angústia. O fato da produção ser uma animação faz com que as possibilidades audiovisuais fiquem mais amplas a retratar esse mundo perturbador que está dentro da cabeça de Stone. Dentro dessa lógica, a narrativa por vezes se mostra como um sutil pesadelo, com Kaufman e o codiretor Duke Johnson sabendo conduzir a história com sensibilidade no limite entre o real e o onírico. O grafismo da animação entra em sintonia perfeita com o espírito da trama, em que não há um grande rebuscamento imagético, mas que também é extremamente expressiva na valorização de nuances de olhares e gestuais. A entrada em cena de Lisa (Jennifer Jason Leigh) realça ainda mais os detalhes formais e temáticos da obra. Os diálogos que ela tem com Michael e mesmo a crua sequência de sexo entre os dois têm um lirismo a flor-da-pele raro de ser no cinema atual. A figura de Lisa também tem o papel fundamental a mostrar a efetiva percepção do que significa o atribulado comportamento de Michael. O caráter metafórico da encenação e do roteiro de “Anomalisa” é até simples no seu sentido e execução, sem que com isso se perca uma profundidade contundente capaz tanto de encantar quanto incomodar o espectador.

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