sexta-feira, janeiro 15, 2016

Boi neon, de Gabriel Mascaro ****

O rústico peão Iremar (Juliano Cazarré) trabalha nos bastidores de um rodeio itinerante – alimenta os bois, limpa a merda deles, atiça os bichos em momentos cruciais dos eventos. Quando tem um tempo, dedica-se a criar e costurar roupas femininas, mostrando criatividade e ousadia expressivas. O fato de atuar em dois polos aparentemente tão distintos, entretanto, não é apresentado como sinal de uma possível ambiguidade sexual – tanto que a longa e detalhada sequência em que transa com uma mulher que conheceu na estrada, uma das melhores cenas de sexo do cinema brasileiro dos últimos tempos, revela sua heterossexualidade plena. Esse caráter libertário na caracterização desse personagem é fortemente simbólico da proposta estética-existencial de “Boi neon” (2015). Ainda que aparentemente esteja atrelado a uma narrativa linear, o filme do diretor Gabriel Mascaro se desvincula de maneira vigorosa de clichês e concessões. Na trama, há diversos elementos e situações que trazem uma conotação metafórica contundente – os peões que masturbam um cavalo para roubar seu sêmem, os trabalhadores que tomam banho juntos numa ambientação que tanto alude a homoerotismo velado quanto a naturalidade da convivência de parceiros de labuta, a mulher que transa com um peão metrossexual de longos cabelos alisados (a encenação noturna faz com que se veja silhuetas dos personagens, sugerindo na aparência uma transa lésbica), a menina que convive sem maiores traumas num ambiente de sensualidade latente e brutalidade instintiva (sua fixação em cavalos poderia ser uma possiblidade de fuga imaginária?), a ausência de uma efetiva posição preconceituosa dos personagens em relação a comportamentos fora dos padrões “normais”. Na conjugação disso tudo, o roteiro não busca soluções ou amarrações de pontas soltas, mas sim estabelecer um retrato cru e humanista dos desejos e frustrações de tais figuras. É como se por questão de quase duas horas fosse permitido ao espectador assistir pela fresta alguns flagrantes das vidas dessas pessoas. Nesse viés, o cotidiano prosaico demonstra um impacto dramático muito mais convincente do que se tivesse grandes viradas novelescas na trama. E mesmo o que era para ser uma abordagem naturalista acaba se revelando difusa, pois as intervenções cênicas envolvendo os figurinos elaborados por Iremar trazem um conteúdo indefinido e fascinante entre o onírico e o real. O requinte formal de Mascaro para embalar essa espécie de fábula amoral cabocla é extraordinário, em que o registro de tons reflexivos e melancólicos de algumas cenas convive de forma harmônica e intrínseca com a encenação vigorosa dos rodeios e os seus bastidores. A síntese de todas essas escolhas artísticas de Nassaro faz com que “Boi neon” se configure como uma bela e poética alegoria sobre o desejo e a liberdade, na tradição de outras obras recentes do cinema nacional como “A febre do rato” (2011) e “Tatuagem” (2013).

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