quinta-feira, outubro 27, 2016

A passageira, de Salvador Del Solar ***

Assim como na produção argentina “Kóblic” (2016), o filme peruano “A passageira” (2014) procura formatar uma reflexão sobre a ditadura militar na América Latina dentro de uma estrutura de cinema de gênero (no caso, o suspense policial). Se na citada obra portenha tal propósito fica apenas na intenção, ainda que resulte num divertido faroeste reciclado, no trabalho do diretor Salvador Del Solar essa síntese entre questionamento político-social e formatação de gênero soa mais homogênea e convincente, tendo como principal responsável para isso um roteiro muito bem delineado em seu desenvolvimento e subtextos. Há nuances na trama que revelam um forte caráter simbólico a refletir uma sociedade marcada pela opressão e exploração de classes. Nesse sentido, a figura da personagem Celina (Magaly Solier), nativa de uma vila indígena exterminada por militares na época da ditadura, é bastante emblemática – quando adolescente, abusada por militares; na fase adulta, explorada por agiotas e picaretas de classe média alta. Seu discurso final, indignado e no seu dialeto nativo, representa a cena mais memorável de “A passageira” no seu misto de fúria e frustração. A abordagem formal e textual de Del Solar para a história que conta é marcada por uma sobriedade admirável, ainda que a narrativa se ressinta de um certo excesso de convencionalismos. Ainda assim, “A passageira” consegue preservar a sua capacidade de inquietar e se fixar por um tempo no imaginário do espectador.

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