quarta-feira, outubro 19, 2016

Um dia perfeito, de Fernando León de Aranoa ***

O cineasta espanhol Fernando León de Aranoa havia demonstrado notável domínio narrativo e sensibilidade no trato de temática social no extraordinário “Segunda-feira ao sol” (2001). Ainda que sem o mesmo grau de brilho artístico do filme mencionado, “Um dia perfeito” (2015) mostra que Aranoa permanece com suas mencionadas qualidades. O tema da trama é espinhoso – o cotidiano de um grupo de ajuda humanitária no conflito dos Bálcãs em meados dos anos 90. Ocorre que a abordagem é diferenciada e surpreendente, pois, ainda que preserve a forte aura dramática, há uma certa atmosfera de ironia e absurdo que predomina sutilmente por todo o filme, fazendo lembrar de leve a clássica comédia de guerra “MASH” (1970). Tal orientação existencial da narrativa revela uma coerência pertinente, em que as desventuras sentimentais do responsável de segurança Mambrú (Benicio Del Toro) e a obsessão por velocidade, perigo e rock and roll do motorista B (Tim Robbins) funcionam como válvulas de escape emocionais diante de uma rotina repleta de morte, destruição e barbárie de um conflito étnico-político. O subtexto do roteiro guarda ainda uma crítica ao olhar hipócrita e moralista que o mundo ocidental tem sobre a guerra naquela região, em que alegações e julgamentos de que tais lutas e demais atitudes delas advindas sejam “sem sentido” se revelam estéreis, pois na verdade os reflexos de tal conflito apenas demonstram valores e dilemas típicos da sociedade capitalista contemporânea. No mais, a notável interação entre o elenco homogêneo em boas atuações e a ótima trilha sonora roqueira se mostram em sintonia com as soluções narrativas e temáticas de Aranoa, fazendo de “Um dia perfeito” uma inquietante obra a refletir sobre a natureza das guerras no mundo atual.

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