terça-feira, fevereiro 14, 2017

Epidemia de cores, de Mário Saretta ***

Em um primeiro momento, o documentário “Epidemia de cores” (2016) emula quase uma função de programa institucional ao mostrar a rotina dos internos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, em suas oficinas de artes onde se dedicam a pintar e escrever poemas. Com o desenvolvimento da narrativa, tal impressão aos poucos vai se desconstruindo devido ao peculiar tratamento formal-temático realizado pelo diretor Mário Saretta. Na verdade, o subtexto principal da obra estaria no questionamento de valores e concepções da sociedade moderna em relação àquilo que seria considero “normal”. O filme mantém sempre uma atmosfera ambígua, em que a fronteira entre loucura e a sanidade se mostra como algo muito tênue. Nesse sentido, há uma jogada narrativa engenhosa por parte de Saretta – nos depoimentos de pacientes, profissionais da saúde, estagiários e voluntários apena é contextualizado o nome de cada um dos entrevistados, e não a sua condição. É claro que na maioria das vezes se pode perceber claramente quem é aquele que é portador de distúrbios psiquiátricos, mas há momentos em que a dúvida paira de forma sutil e incômoda para o espectador. Tal concepção artística do documentário se relaciona também com um questionamento do papel do “louco” dentro de uma sociedade capitalista marcada pelo relação trabalho-consumo, em que o insano seria aquele que não se consegue mostrar como “útil” dentro desse binômio. Nessa definição, também se acaba refletindo sobre o próprio papel da arte dentro da referida sociedade – o que adianta sensibilidade cultural diante de um modo de vida que exige essencialmente do indivíduo os meios que permitam a aquisição do capital para a sua subsistência e legitimidade social perante os seus pares? O registro audiovisual que abarca essa amarga visão de mundo de “Epidemia das cores” é apropriado no seu misto de crueza e lirismo, em que Saretta consegue captar algumas sequências repletas de nuances dramáticas e mesmo simbólicas na rotina daqueles enquadrados pela sua lente, formando um expressivo panorama humanista.

Nenhum comentário: