quinta-feira, março 23, 2017

Personal shopper, de Olivier Assayas ****

Depois de se aventurar por drama de época (“Destinos sentimentais”), policial (“Clean”) e memorialismo (“Depois de maio”), o diretor francês Olivier Assayas voltar a enquadrar o cinema de gênero dentro de seus peculiares padrões autorais. Em “Personal shopper” (2016), o cineasta envereda pelos preceitos do horror sobrenatural e os recicla dentro de uma narrativa que versa sobre alienação e vazio existencial. Pode até parecer pretensioso em suas intenções artísticas, mas o resultado final é orgânico e contundente. Roteiro e encenação obedecem a um padrão estético e existencial marcado pelo rigor e pela coerência, em que alguns clichês formais e temáticos do gênero fantástico (casas assombradas, espíritos desajustados) vão se moldando dentro de um formato misto de conto moral e crônica de costumes. Essa abordagem artística de Assayas tem uma ambiguidade ora atraente, ora perturbadora, fazendo com que o filme utilize signos visuais que aludem à modernidade, tanto nos aspectos tecnológicos quanto nos padrões de beleza, para reforçar uma ideia de fascinação por alguns prazeres mundanos. Diferente da patética glorificação do materialismo perpetrada por “Cinquenta tons de cinza” (2015), entretanto, tal direcionamento narrativo tem a função de caracterização do ambiente que circunda a protagonista Maurenn (Kristen Stewart), mostrando os aspectos contraditórios de sua personalidade que trafegam no limite entre o intimismo de seus desejos e inquietações pessoais e a sua vivência social/profissional. Nesse sentido, a visão da obra sobre o metafísico se distancia bastante das obviedades moralistas e maniqueístas, em que a vontade de Maurenn em contatar com o irmão falecido esconde de maneira sutil a sua incapacidade de lidar de forma lúcida com a realidade fática em sua volta, evidenciada, principalmente, na forma com que a personagem é envolvida na sórdida trama de sexo, dinheiro e assassinato entre a sua empregadora e o amante. 

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Adorei o final