segunda-feira, abril 30, 2018

Imagens do Estado Novo - 1937 a 1945, de Eduardo Escorel ***1/2


A parceria do diretor e montador Eduardo Escorel com João Moreira Salles nos documentários “Santiago” (2007) e “No intenso agora” (2016), em que Escorel foi responsável pela edição, parece ter deixado influências expressivas em “Imagens do Estado Novo – 1937 a 1945” (2016). Assim como nos filmes citados, há a presença decisiva em termos artísticos e existenciais de uma voz narradora que expressa um aparente e desconcertante distanciamento emocional. Nesse contexto, o conjunto voz e imagens afasta o filme do mero registro histórico-jornalístico (ainda que o filme traga um riquíssimo acervo de imagens e informações). Para Escorel, o que interessa é colocar em prática em contundente exercício dialético na contraposição entre o discurso e os fatos. Na narrativa, há um embate constante entre a grande profusão de filmagens de origem oficial, ou seja, proveniente de fontes institucionais do governo do período em questão, com oportunas filmagens de época oriundas de registros de famílias, propagandas comerciais, longas-metragens de ficção e matérias jornalísticas, tudo temperado pelos comentários sócio-políticos da mencionada voz narradora. Nessa síntese entre a ambientação pública do Estado Novo com a história da vida privada, prevalece uma certa visão ambígua sobre os reais significados da passagem de Getúlio Vargas como o líder totalitário de uma nação. Ao mesmo tempo que há uma pouca disfarçável repulsa por atos e medidas autoritárias e repressivas do governo, há também o reconhecimento por uma postura sócio-econômica até então inédita de construção de um projeto de nação e também pela atenção às condições de vida do trabalhador popular. A ambiguidade da abordagem também se faz necessária diante das contradições nas atitudes das autoridades, políticos e cidadãos na época do Estado Novo. Nesse sentido, o ponto da narrativa que melhor deixa claro esse direcionamento de Escorel é a postura de Vargas, militares e da própria sociedade brasileira diante da situação em que o país deveria escolher de que lado ficar na Segunda Guerra Mundial, dos aliados ou do Eixo – o que hoje soaria como uma opção inquestionável em termos morais na época se mostrou como um dilema político de resolução tortuosa e complexa. As opções narrativas e intelectuais de Escorel em “Imagens do Estado Novo” têm justamente como principal mérito a valorização das complexidades daquele contexto espaço-temporal sem apelar para maniqueísmos simplórios e equivocados, procurando ressaltar as singularidades de uma nação e seu povo, evidenciando que escolhas e rumos tomados à época reverberam até os dias de hoje, constatação essa reforçada pelo duríssimo epílogo do documentário.

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