quinta-feira, junho 28, 2018

O amante duplo, de François Ozon ****


O cineasta francês François Ozon conseguiu deixar em sua filmografia uma marca autoral marcada pelo insólito – sua assinatura artística é marcada por uma síntese/pastiche de elementos narrativos de melodrama, suspense e musical, por vezes alternando tais gêneros, em outros momentos juntando-os na mesma obra. Em meio a altos e baixos em sua trajetória fílmica, em “O amante duplo” (2017) ele atinge o seu pico criativo dentro de suas particulares concepções narrativas-estéticas. Há algo na obra que evoca uma junção alucinada entre o barroquismo de Brian De Palma e as atmosferas mórbidas de David Cronenberg. Tais referências não são disparatadas. Ozon abusa de truques formais (fusões de imagens, jogos de espelhos, split camera, trucagens digitais), relacionando tais efeitos imagéticos a uma ambientação que oscila entre a realidade e o delírio de maneira vertiginosa. Nesse sentido, o sensorialismo do filme é desconcertante para o espectador. A impressão constante é de uma narrativa pontuada por vários despertares de um sonho ruim em que logo depois se descobre que apenas se entrou em um novo pesadelo. Mesmo as sequências eróticas, de forte expressão gráfica, são contaminadas por um tom doentio e onírico, como se o sensual e o patológico estivessem irmanados sem o menor constrangimento. Nessa formatação artística, um roteiro repleto de chavões básicos do suspense em termos de viradas de trama e soluções temáticas acaba ganhando uma dimensão existencial de tensão perturbadora e profundidade psicológica atordoante. O desempenho do elenco principal está em perfeita sintonia com esse espírito alucinado de “O amante duplo”, com Marine Vacth e Jérémie Renier entregando composições dramáticas carregadas de ambiguidades e violentas variações de expressões e gestuais.

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