quinta-feira, julho 05, 2018

Ex-pajé, de Luiz Bolognesi ***1/2


Por mais que se fale que “Ex-pajé” (2018) seja um documentário e que o filme em questão tenha participado de festivais do gênero, a efetiva percepção que se tem da obra dirigida por Luiz Bolognesi é de uma contundente recriação dos principais preceitos do neo-realismo italiano – estão lá a temática de forte cunho social, o uso de um elenco de amadores, o aproveitamento de recursos naturais e externos. Nesse contexto, a narrativa se formata em termos de encenação e atmosfera praticamente como um conto fabular, revelando ainda uma rigorosa decupagem. Essa concepção artística revela uma coerência existencial notável com o subtexto repleto de nuances do roteiro. Nesse sentido, é de se reparar na forma com que a direção de fotografia capta as imagens da floresta onde vivem os índios Pater Saruí, principais personagens da história, em que esses cenários refletem um caráter misto de beleza e mistério e complementam o forte teor místico da trama. Com sutileza, fica estabelecido um embate marcante que paira sobre toda a narrativa: a força opressora da cultura branca, na síntese entre os madeireiros brancos que invadem as terras indígenas e o opressor missionarismo evangélico que estabelece um processo de aculturação na tribo, e a discreta resistência mística/cultural do lado silvícola promovida pelo pajé “aposentado” Perpera Surui e pelo seu sobrinho ativista virtual Ubiratan Surui. Bolognesi evita uma abordagem espetaculosa desse conflito, preferindo um ritmo narrativo contemplativo, quase plácido, que acentuam com vigor e sensibilidade elementos cênicos fundamentais para a obra, como os sons da natureza, a impenetrável beleza da floresta e os gestos e expressões de seus principais personagens. Nesse sentido, a sequência final de “Ex-pajé” tem um impacto sensorial memorável: Perpera Surui observa a floresta de maneira e serena, como se ambos fossem uma única entidade.

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