sexta-feira, julho 27, 2018

Ilha dos cachorros, de Wes Anderson ****


Tem coisas que só Wes Anderson consegue fazer. A combinação parecia improvável em “Ilha dos cachorros” (2018) – animação em stop-motion, parábola política, fábula moral, homenagem/paródia ao gênero aventura com samurais. Na ótica particular do cineasta norte-americano, entretanto, todos esses elementos se entrecruzam com uma lógica e coerência artísticas extraordinárias, além de perpassados por uma síntese bizarra de ironia sardônica e pungência insólita (na realidade, uma abordagem que já era marca de Anderson em seus filmes anteriores). Ao invés daquela estética clean que é característica de Pixar e Disney, Anderson busca uma concepção imagética mais “suja” e expressiva, fazendo lembrar muito o estilo de Bill Plympton, ainda que sem todo aquele tom delirante. Sua evocação da cultura japonesa na trama não é meramente aleatória, pois a pegada mais reflexiva e contemplativa da narrativa remete a uma forma de filmar que é tradicional da escola clássica do cinema nipônico (os amplos planos de cenários ermos, por exemplo, fazem lembrar clássicas aventuras de Akira Kurosawa). Em outros momentos, a intensidade da ação cinematográfica traz aquele senso cartunesco que era marca registrada de uma animação norte-americana de décadas atrás. Todas essas nuances de influências formais se sintonizam de maneira precisa com um roteiro que tanto valoriza a carga sócio-política de cenas cruciais como preserva o aspecto de diversão e mesmo sentimental de forte carga humanista de outras passagens importantes da trama. Nesse expressivo conjunto criativo, “Ilha dos cachorros” reforça ainda mais o nome de Wes Anderson como uma espécie de amoroso cronista “fílmico” dos desajustados e esquisitões.

Nenhum comentário: