quarta-feira, agosto 29, 2018

Histórias que nosso cinema (não) contava, de Fernanda Pessoa ***1/2


Quando comecei a acompanhar filmes com mais afinco em minha adolescência, em meados dos anos 1980, percebia que quando alguém se referia a cinema nacional geralmente trazia uma carga negativa, colocando que a maioria dos filmes era de sacanagem ou coisa que o valha. Muito dessa impressão vinha do fato que aquilo que era considerado por público e grande parcela da crítica como “pornochanchada”, uma espécie de variação popular e gaiata do gênero explotation, foi bastante predominante em nossas telas na década de 70 e princípio dos 80, período esse em que o Brasil estava sob o cabresto da ditadura militar. O documentário “História que nosso cinema (não) contava” (2017) foca justamente nessa relação existencial entre essa linhagem de produções com o opressor ambiente sócio-político daquela época. Em sua abordagem estética, a diretora Fernanda Pessoa faz lembrar o modus operandi que Eryk Rocha havia adotado em “Cinema novo” (2016), dispensando uma voz narradora ou depoimentos contemporâneos em prol de um minucioso trabalho de montagem que combina trechos expressivos de alguns dos principais longas do gênero. Nessa formatação, o documentário de Pessoa tem um efeito sensorial desconcertante e uma notável lucidez temática. As cenas mostradas formam um impressionante híbrido de ironia entre a malícia e o amargo, erotismo barato exacerbado e contundente violência gráfica, em um conjunto audiovisual que expõe com crueza e cruel sarcasmo a atemporal alma de uma nação.

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