segunda-feira, agosto 06, 2018

Rei, de Niles Atallah ****


A relação conturbada entre o homem branco ocidental colonizador e povos nativos/colonizados representa uma temática recorrente no cinema, de clássicas obras-primas como “Aguirre, a cólera dos deuses” (1972) e “Apocalypse Now” (1979) até extraordinários filmes mais recentes do quilate de “Z, a cidade perdida” (2016) e “Zama” (2017). Nessa instigante tradição, inscreve-se também a produção chilena “Rei” (2017). A formatação concebida pelo diretor Niles Atallah faz lembrar o teor delirante do longa brasileiro “Ex-isto” (2010), também de temática semelhante, mas com uma narrativa ainda mais estilizada. Atallah insere alguns momentos de uma encenação realista. O efetivo foco artístico de “Rei”, entretanto, está no romper com o naturalismo, em que o olhar histórico sobre o episódio do aventureiro francês Antoine de Tounens (Rodrigo Lisboa) que tentou construir um reino próprio nas regiões da Araucaria e da Patagônia em meados do século XIX é perpassado por um viés mágico e subjetivo. Para isso, Atallah se vale de recursos estéticos e narrativos variados – utiliza bitolas antigas para filmar, encena com preceitos teatrais as sequências de julgamento do protagonista, abusa de trucagens artesanais de beleza pictórica desconcertante para enfatizar o caráter onírico de algumas cenas. Esse insólito barroquismo de “Rei” não se limita ao mero efeito experimental ou exótico, estando em perfeita sintonia existencial com o próprio caráter ambíguo do roteiro, que tanto evidencia um fascínio com o modus operandi alucinado e romântico de Tounens na busca de seus objetivos quanto um teor crítico sobre as ações exploradoras/opressoras em relação aos povos nativos da América do Sul.

Nenhum comentário: