segunda-feira, outubro 05, 2015

Homem comum, de Carlos Nader ***1/2

O documentarista Carlos Nader se mostra em “Homem comum” (2014) como uma espécie de herdeiro espiritual dos preceitos artísticos de Eduardo Coutinho, principalmente na questão em como o imprevisível e o aleatório se incorporam em seus respectivos modus operandi. Além disso, transparece a forma com que questionamentos existenciais e formais se tornam parte da razão de ser das produções, fazendo com que aquilo que se planejava no início das filmagens se revele apenas a ponta do iceberg. Mas Nader não é apenas um mero reciclador de ideias e conceitos alheios – pode-se perceber em sua obra um traço autoral bastante particular. Se em “Pan-cinema permanente” (2008) ele fazia um registro misto entre o realismo e o delirante da vida e obra do poeta e letrista Wally Salomão, em “Homem comum” ele molda a história de vida de um caminhoneiro e sua família dentro de uma espécie de fábula existencialista e mística. Para isso, Nader expande as próprias noções do que deveria ser “cinema verdade”. Ele se vale de encenações nitidamente ensaiadas, além de truques de edição que remetem a uma estrutura ficcional – nesse sentido, é extraordinária o formato de fluxo onírico em que trechos de cenas que foram registradas ao longo de vinte anos e de sequências do clássico cinematográfico “A palavra” (1955) se encadeiam, afastando o filme do mero registro cronológico de fatos e transformando a narrativa num vórtice sensorial desconcertante. Em diversos momentos, são expostos com clareza motivos para determinadas escolhas narrativas, como se houvesse uma espécie de auto-dissecação estética da obra. E há algo de ironia perversa na forma com que Nader manipula os elementos emocionais do filme. Uma das coisas mais fascinantes de “Homem comum”, entretanto, é justamente como o sentimentalismo brejeiro da obra é preservado no seu contundente humanismo e se entrelaça com a forte criatividade formal de Nader, resultando numa espécie de cruzamento entre farsa, metafísica e filosofia.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Um dos melhores documentários do ano