segunda-feira, janeiro 25, 2016

Creed, de Ryan Coogler ****

Por mais que puristas e parte da crítica não admitam, a verdade é que o cinema em primeiro lugar é indústria e cultura de massa. O que permitiu que ele se consolidasse como meio de expressão cultural foi justamente o fato de que boa parte do que era produzido teve viabilidade financeira, permitindo o lucro para produtores e demais partes envolvidas no processo. Dentro dessa lógica, se um determinado produto cinematográfico tem um lucro considerável, é natural que seus “donos” queiram prolongar essa oportunidade de ganhar mais dinheiro. Assim, continuações de um filme que fez sucesso representam uma prática consagrada dentro da indústria de cinema desde praticamente quando tal indústria se estabeleceu. Esse raciocínio pode parecer frio ou pragmático, mas na realidade é apenas a constatação de uma realidade fática. Dentro dessa lógica capitalista, contudo, é claro que pode haver uma transcendência artística, em que essas produções que dão continuidade aos eventos de um determinado universo (sequências, spin-offs, prequels e afins) acabam oferecendo uma dimensão existencial ainda mais aprofundada para personagens e situações. E é justamente nesse caso que se pode enquadrar “Creed” (2015), obra que dá prosseguimento aos fatos apresentados em “Rocky: Um lutador” (1976) e suas demais sequencias.

Ainda que a figura do pugilista Rocky Balboa (Sylvester Stallone) hoje esteja grudada no imaginário cinematográfico geral, a verdade também é que ao longo dos anos a imagem do personagem foi vilipendiada e banalizada pelo caráter oportunista de algumas das continuações que a franquia teve. Nesse sentido, talvez o auge dessa postura esteja no nacionalismo obtuso de “Rocky 4” (1985), em que o combate final entre Rocky e Ivan Drago (Dolph Lundgren) servia como metáfora picareta do conflito político entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria. Em “Rocky Balboa” (2006), Stallone retomou o caráter mais humano e pé-no-chão para o personagem que o consagrou, com uma trama que evoca dilemas típicos da obra clássica de 1976, além da abordagem estética que dava uma atmosfera nostálgica e crepuscular para a saga do célebre lutador. Dentro dessa perspectiva, “Creed” não só investe no prosseguimento desse processo de recuperação da imagem de Rocky, como também oferece caminhos renovadores e dá ao personagem um tamanho existencial notável.

O diretor Ryan Coogler consegue uma síntese artística precisa – ao mesmo tempo que a dinâmica narrativa é arejada e modernizada no melhor sentido da palavra (é de se reparar como a linguagem televisiva de canais esportivos da atualidade é integrada com naturalidade dentro de um estilo clássico de cinema), ele incorpora a mitologia e todos os clichês temáticos e formais típicos da série, dando-lhes um sentido de coerência artística extraordinária. Até o já aludido e malfadado “Rocky 4” acaba ganhando uma importância redentora. E dentro da construção dramática proposta por Coogler, o aspecto mais sensacional é a forma como o próprio Rocky Balboa é mostrado em cena, um misto de lenda viva e de humanidade fragilizada, fazendo de Stallone uma presença fortemente magnética em cada enquadramento que aparece. No mais, o que se tem em “Creed” é uma demonstração de vigoroso virtuosismo estético que se adequa perfeitamente à ambientação mitológica. O filme é uma sucessão de sequências antológicas: a mistura de pauleira e sentimentalismo da abertura, o plano-sequência da primeira luta efetivamente profissional do protagonista Adonis Creed (Michael P. Jordan), a sucessão da montagem das cenas de treinamento de Creed tendo ao fundo um Rocky doente e envelhecido, a corrida de Creed pelas ruas cercado por motociclistas, a subida do combalido Rocky pela célebre escadaria do Museu de Arte da Filadélfia.


Se Stallone já tinha conseguido no surpreendente “Rambo 4” (2008) dar um final casca grossa e digno para a saga do personagem-título, agora Coogler constrói em “Creed” um belo canto do cisne para a outra famosa criatura do veterano ator.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Vai ser surreal ver Sylvester Stallone ganhar um Oscar por um personagem que criou a 40 anos atrás