segunda-feira, julho 25, 2016

Mãe só há uma, de Anna Muylaert ****

Tudo aquilo que era insinuado, difuso ou excessivo em “Que horas ela volta?” (2015), o filme anterior da diretora Anna Muylaert, se concretiza de forma clara e precisa em seu longa-metragem mais recente, “Mãe só há uma” (2016). A partir de um roteiro enxuto e de uma narrativa concisa, a cineasta faz um demolidor inventário sócio-intimista da sociedade brasileira contemporânea. A abordagem emocional e formal de uma trama que abarca a sexualidade na adolescência e os preconceitos de classe foge de estereótipos, maniqueísmos e demais facilidades – o filme de Muylaert transpira ao mesmo tempo raiva e sensibilidade extremas, com a diretora recorrendo a truques narrativos simples e eficazes. É de se reparar, por exemplo, como ela contrapõe a encenação fluida e naturalista do mundo de sexo, drogas e rock and roll que envolve o garoto Pierre (Naomi Nero) com a pesada ambientação caricata e opressora da sua família biológica que o acolhe/sequestra. Muylaert ainda se permite recursos inusitados, que beiram o surreal, como o fato do papel da mãe biológica de Pierre ser interpretado pela mesma atriz (Dani Nefussi) que também atua como a mãe adotiva que o sequestrou quando bebê, evocando uma jogada narrativa de Buñuel em “Esse obscuro objeto de desejo” (1977) – por coincidência, Almodóvar fez algo parecido no recente “Julieta” (2016). Na realidade, tal recurso narrativo reforça aquele que talvez seja o grande ponto chave existencial de “Mãe é só uma” – a ambiguidade, que se reflete tanto na sexualidade livre de Pierre quanto no questionamento sobre a moralidade hipócrita de uma sociedade que se apega de maneira ferrenha a leis frias e costumes tacanhos em oposição a uma perspectiva mais humanista sobre a vida.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Desde já um dos melhores filmes do ano.