Dizer que “O pequeno fugitivo” (1953) parece distante
daquilo que se faz atualmente no cinema pode até ser correto, mas também é
impreciso. Afinal, o filme em questão parece algo fora do tempo e espaço em
relação a qualquer época. A linguagem estética adotada pelos diretores Morris
Engel e Ruth Orkin encontra bastante ressonância naquele estilo de fotografia naturalista,
em que o preto-e-branco enfatizava um misto entre a simplicidade, o sórdido, o
excêntrico e o irônico no registro de tipos nada glamorosos dos grandes centros
urbanos. A estrutura narrativa engedrada por Engel e Orkin é marcada pela concisão
e eficiência – ao usar técnicas documentais na encenação de uma história
ficcional, eles conseguem a proeza de fazer uma estranha e fascinante síntese
entre a formatação naturalista e o inesperado tom fabular. Isso porque a trama é
perpassada em boa parte de sua duração pelo olhar infantil do protagonista Joey
(Richie Andrusco). Assim, aquilo que era para ter um caráter prosaico e
realista acaba ganhando uma estranha dimensão épica para o pequeno personagem
principal. Os jogos e brincadeiras em um parque e os passeios e recolhimento de
garrafas pela praia de Coney Island se transformam numa espécie de aventuras
grandiosas. O registro visual do filme acentua ainda mais tal impressão: poucas
vezes se viu no cinema ruas, objetos e prédios corriqueiros ganharem uma beleza
pictórica tão cativante. A expressiva trilha sonora, composta basicamente por
temas de melodias singelas levadas numa harmônica beirando o desafinado,
colabora ainda mais para essa percepção de uma obra idiossincrática e
atemporal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário