sexta-feira, setembro 25, 2015

O pequeno Quinquin, de Bruno Dumont ****

O que entra dentro da concepção artística da produção francesa “O pequeno Quinquin” (2014) são diversos elementos e referências culturais que parecem remeter à própria história do cinema. Repare-se, por exemplo, na figura do delegado Van der Weyden (Bernard Pruvost) – seus trejeitos e composição dramática fazem lembrar comédias mudas e o estilo de interpretação do neo-realismo italiano. Ou na sequência da missa de sepultamento com padres e coroinhas fazendo pegadinhas e rindo sem parar que fazem lembrar aquelas velhas obras cômicas com Totò ou a encenação picaresca típica de Pasolini. A profusão de tipos esquisitos e de situações nonsense evocam o surrealismo ácido de Luis Buñuel e a estética delirante de David Lynch. A presença constante dessas influências e citações visuais não significam, entretanto, despersonalização de estilo do cineasta Bruno Dumont. Pelo contrário. O que ocorre na realidade é uma reinterpretação radical e rigorosa de referências e clichês formais e temáticos passando pelo severo filtro ascético de Dumont. A sensação final para o espectador é de puro desconcerto sensorial.

O que Dumont estabelece em “O pequeno Quinquin” é um épico místico e perverso. Se por um lado inicialmente se tem a percepção de uma abordagem realista, aos poucos a narrativa vai se transformando numa espécie de parábola moral permeada por uma constante atmosfera de estranheza e mistério. O retrato do bizarro cotidiano de uma cidadezinha litorânea da Normandia se molda em diferentes formas – conto de suspense de leves tons góticos, sátira cruel e simbólica com a sociedade ocidental contemporânea e mesmo um relato apocalíptico sobre a decadência do humanismo. Dentro de tal ótica complexa, cada recurso narrativo empregado por Dumont exerce um papel fundamental: a abordagem emocional distanciada, as brilhantes interpretações naif do elenco, o uso econômico da trilha musical como comentário irônico das cenas, o virtuoso registro visual da direção de fotografia que valoriza tanto a beleza melancólica das praias normandas quanto detalhes cênicos insólitos (a vaca carregada por um helicóptero é exemplar contundente de tal formalismo).


Talvez a grandeza artística e humana de “O pequeno Quinquin” acabe sendo um potencial “afaste grandes plateias”. Afinal, é uma obra de ritmo narrativo nada frenético e de longa duração (três horas e vinte minutos). Dumont não oferece concessões – seu filme exige um olhar contemplativo e que se permita adentrar numa dimensão existencial muito particular. Quem se propor a encarar esse desafio estético, entretanto, poderá ter como recompensa assistir a uma das obras cinematográficas fundamentais dessa década.

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