segunda-feira, agosto 14, 2017

O filme da minha vida, de Selton Mello *

Na função de diretor, Selton Mello se mostrou um nome promissor em seus dois primeiros longas-metragens, “Feliz natal” (2008) e “O palhaço” (2011), obras que, ainda que mostrassem alguns tropeços em suas respectivas narrativas, evidenciavam um vigor admirável na reciclagem de clichês formais e temáticos inerentes aos gêneros melodrama e comédia, na encenação equilibrada entre o sutil e o rascante e no belo trabalho de direção de elenco. Dentro desse contexto pregresso, a produção mais recente de Mello como cineasta, “O filme da minha vida” (2017), é uma expressiva decepção artística. Se nos mencionados filmes anteriores se podia perceber um considerável caráter desafiador no conjunto estético-existencial, agora Mello se mostra de maneira escancarada com a intenção de se adequar a moldes mofados e despersonalizados de concepção narrativa, como se procurasse uma linguagem mais “acessível” para buscar a aceitação comercial de um público maior. Na busca de tal intento, articulou uma fórmula medíocre e sem graça de “contar uma história”, algo como a assepsia audiovisual de uma minissérie global somada ao sentimentalismo óbvio e barato de produções “de qualidade” como “Cinema Paradiso” (1988) e “O carteiro e o poeta” (1994) – não é à toa que o roteiro se baseou na obra literária original de Antonio Skarmeta, mesmo escritor de “O carteiro e o poeta”. Diante de tais escolhas artísticas, não adianta contar com Walter Carvalho como diretor de fotografia se enquadramentos e iluminação vão emular um traço imagético de cartão postal ou ter alguns nomes interessantes no elenco se todos eles vão afundar com a mãe pesada de Mello na encenação. Isso sem falar no constrangedor caráter machista de algumas passagens do roteiro que vêm travestidas de humanismo e sensibilidade. Há de se convir, entretanto, que “O filme da minha vida” acaba traduzindo com fidelidade o espírito do nosso tempo nesse reacionário Brasil pós-golpe em que vivemos – seu mercantilismo conservador disfarçado de “qualidade artística” é sintomático da hipocrisia e moralismo obtusos que grassam em nossa sociedade.

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