quinta-feira, agosto 24, 2017

Rifle, de Davi Pretto ***1/2

Se em “Castanha” (2014) o diretor Davi Pretto focava o seu olhar sobre um sombrio cenário urbano de Porto Alegre, em “Rifle” (2016) volta sua câmera para um ambiente rural contemporâneo. Não se trata, entretanto, de uma revisão óbvia de um desgastado cinema “regional” típico de uma ala das produções gaúchas contemporâneas. Na produção em questão, alguns preceitos típicos do gênero faroeste recebem uma releitura radical e peculiar e se entrelaçam com os elementos de forte teor social do subtexto do roteiro. Em uma descrição mais simbólica, é como se a estrutura narrativa clássica estabelecida em “Os brutos também amam” (1953) fosse perpassada pelo viés melancólico e naturalista do conceito do “gaúcho à pé” firmado na obra literária concebida por Cyro Martins. Assim, o que está em pauta não é uma visão idealizada e idílica daquele interiorano puro e corajoso, discutível mito tão valorizado em comemorações “farroupilhas” e afins, mas sim o sujeito humilde inserido num contexto sócio-econômico de exploração e abandono. Ainda que tomado por esse caráter de crítica social, a perspectiva do roteiro foge de maniqueísmos e outras simplificações – a revolta e fúria do protagonista Dione diante do assédio inclemente de um grande latifundiário é difusa e desordenada, fruto de uma alienação incontornável, fazendo com que seus atos de brutalidade soem patéticos e pouco eficazes. Dentro desse complexo panorama existencial, as escolhas estéticas e narrativas de Davi Pretto são desconcertantes, em que um classicismo imagético que evoca o cinema de grandes paisagens de John Ford se une com naturalidade a uma encenação vigorosa e precisa herdada do neo-realismo italiano. Nesse último aspecto, é extraordinário o trabalho de direção dos atores amadores, em que a força das composições dramáticas do elenco está justamente na veracidade de suas caracterizações (a forma truncada como falam configura um quase dialeto em que a riqueza do sentido está dentro do contexto daquilo que falam e não nos conceitos previsíveis de dicção e clareza). No mais, Preto pontua “Rifle” com detalhes narrativos expressivos como a sóbria e expressiva trilha sonora baseada em drones sonoros e na bela homenagem que faz ao clássico “Targets – Na mira da morte” (1968) na sequência em que Dione sai atirando a esmo em veículos que transitam solitários em estradas pampeanas.

Nenhum comentário: