sexta-feira, janeiro 26, 2007

Mais Estranho que a Ficção, de Marc Forster ****

Parece que nesses últimos meses alguns cineastas dos quais nunca fui muito fã resolveram fazer filmes realmente legais. Primeiro foi o M. Night Shyamalan com o cara-de-pau e divertido “A Dama na Água”. Pouco depois Darren Aronofsky lança “A Fonte da Vida”, uma ficção científica enlouquecida cheia de influências de quadrinhos. E agora Marc Forster, que sempre fez filmes medianos, nos mostra esse magnífico “Mais Estranho que a Ficção”.

Um dos pontos mais discutidos na história do cinema sempre foi a sua relação com a linguagem literária. Sempre houve um questionamento o quanto o cinema era influenciado pela literatura, não só em casos de adaptações de romances ou contos, mas também pela utilização de uma estrutura narrativa que remete diretamente ao discurso literário. Não sem razão, vários teóricos e críticos execravam esse tipo de aproximação entre cinema e literatura pelo fato de que a mesma impede o desenvolvimento de uma linguagem própria cinematográfica. Truffaut, por exemplo, sempre considerou que essa influência literária no cinema fazia com que a própria crítica e público apreciassem um filme pela sua trama em si e não pelo impacto sensorial das imagens. “Mais Estranho que a Ficção” traz a tona essa discussão de forma irônica ao mostrar o drama de Harold Crick (Will Ferrel), um pacato fiscal do Imposto de Renda que começa a ouvir na sua mente uma narração que descreve exatamente todos os seus passos. A forma com que o personagem e a narração interagem é engenhosa: apesar dos protestos e tentativas de comunicação do Crick com a tal da voz, a mesma sempre se mantém impassível e ignorando até mesmo a ciência do personagem sobre a sua possível autora. As situações de metalinguagem nesses momentos têm um grau de fluência e sofisticação admirável. Forster parece também alfinetar a própria utilização do discurso literário: a narrativa ostensiva e rebuscada da escritora Kay Eiffel (Emma Thompson) parece redundante, excessiva, fazendo com que tenhamos a sensação de que as imagens estejam dispensando a narração em off.

“Mais Estranho que a Ficção”, além da sua criativa metalinguagem, também impressiona por uma impressionante sensibilidade a flor da pele. O processo de mudança de Crick, ao tomar consciência da sua morte que estar por vir brevemente, tem uma sutileza e intensidade admiráveis e que acaba culminando na belíssima seqüência em que ele toca no violão uma canção punk, de maneira tosca e possuída, para Ana Pascal (Maggie Gyllenhaal), a adorável padeira por quem ele está apaixonado. Contribui também para isso a excelente atuação de Will Ferrel, que saí daquele seu típico registro histriônico e oferece uma interpretação que oscila com perfeição serenidade e um ar de perplexo.

A utilização de efeitos especiais em “Mais Estranho Que a Ficção” também é um capítulo a parte pela sua criatividade, lembrando bastante nesse sentido o fantástico “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança”. E é claro que não dá para esquecer a maravilhosa trilha sonora: as canções tipicamente indie da banda Spoon dão a moldura sonora ideal para o clima surreal e romântico da trama. Isso sem contar a tremendamente assobiável “Whole Wide World”, a tal canção punk cantada e tocada por Crick.

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro André:

Concordo plenamente - não esperava nada do filme e saí muito surpreso. Toda a trama é interessante, mas o final, que já vi criticarem, pareceu-me ótimo. Não é, apesar de parecer, o trouxa final americano - faz sentido, faz sentido. A única inconsistência é a menina - o que ela quer com o fiscal da receita?

Um abraço,

Leonardo Saldanha

André Kleinert disse...

Caro Leonardo,
Fiscais da receita, contadores, advogados e publicitários, por mais estranho que possa parecer, também têm sentimentos e merecem namorar uma padeira gatinha.
Abraços,
André

Anônimo disse...

Caro André,

Essa resposta dada ao Leonardo advém de algum desejo do autor desse blog, de namorar uma padeira gatinha? Que, além de sentimentos iria proporcionar ao autor diversas comidinhas gostosas?

Anônimo disse...

Sem dúvida, JP, sem dúvida. O autor do blog sempre teve uma queda por padeiras.

Leonardo