Maldito Coração, de Asia Argento ****
Confesso que as origens de “Maldito Coração” faziam com que eu tivesse um certo receio em relação ao filme. Afinal, essa produção norte-americana de 2004 é baseada numa pretensa auto-biografia de um escritor que na realidade nunca existiu, o controverso e andrógino J.T. Leroy. Quando o mesmo foi desmascarado, descobriu-se que quem havia escrito todos os seus polêmicos livros era a sua agente e que Leroy na verdade era uma modelo! Ou seja: uma gloriosa picaretagem! Não cheguei a ler os livros do “cara”, mas “Maldito Coração” está muito longe de ser apenas mais um golpe publicitário. O filme traz uma das visões mais viscerais e originais sobre o universo familiar, além de ser um brilhante exercício estético de Ásia Argento, filha do mestre do horror e suspense italiano Dario Argento.
A trama de “Maldito Coração” gira em torno de Jeremiah, um garoto que ainda criança é tirado da tranqüilidade da sua família adotiva para viver com a sua mãe biológica, Sarah, uma junkie contumaz e ninfomaníaca de carteirinha (a própria Ásia Argento, numa primorosa caracterização grotesca e exagerada, como se fosse uma Courtney Love ainda mais enlouquecida). A vida do menino se transforma numa verdadeira descida aos infernos mais aterradores, passando por episódios extremos de sevícias sexuais, violência, abandono, solidão e até mesmo travestismo. Mesmo quando não está nas mãos de sua mãe, Jeremiah passa por poucas e boas, principalmente através do seu avô (numa participação sinistra de Peter Fonda), um fanático religioso dado a espancar seus familiares nos momentos de vacilação da fé dos mesmos (aliás, um dos momentos mais antológicos e absurdos do filme é quando canta “Anarchy In U.K.”, dos Sex Pistols, para o seu primo carola). Toda essa temática barra pesada que ronda “Maldito Coração”, contudo, não faz com que essa obra caia no mero sensacionalismo. A intenção de Ásia Argento é justamente contrapor todo esse rosário de desgraças e perversões com o conceito da união familiar. O resultado de tal diálogo aparentemente paradoxal é perturbador e ao mesmo tempo marcado por uma surpreendente ironia. Quanto mais Jeremiah é maltratado pela mãe, mais o sentimento de cumplicidade e dependência entre os dois fica acentuado, até chegar a um ponto em que os mesmos não conseguem conceber a vida separados. Por mais esquisito que possa parecer, talvez “Maldito Coração” seja um dos filmes que melhor discutiram o núcleo familiar nos últimos tempos.
Mas as ousadias de Ásia Argento não se limitaram apenas ao conteúdo do roteiro. Talvez seja cedo e precipitado dizer que a cineasta tenha atingido o grau de perfeição virtuosística do seu progenitor, mas ela chega perto em algumas belas seqüências de “Maldito Coração”. O seu grande mérito é misturar uma narrativa hiper-realista com trechos de puro delírio e fantasia. O momento em que é atendido em um hospital após ser molestado sexualmente por um dos namorados de sua mãe é exemplar: ao mesmo tempo que começa a receber dolorosos pontos, o garoto começa a ter uma verdadeira viagem psicodélica devido aos sedativos em que chega até mesmo a ver fadinhas, num momento onírico de visual espetacular. De se destacar também o processo de sedução em que se traveste com as roupas de e seduz outro de seus amantes (um irreconhecível Marilyn Manson), confundindo até mesmo o expectador, em um brilhante trabalho de manipulação de imagens por parte de Ásia Argento.
Confesso que as origens de “Maldito Coração” faziam com que eu tivesse um certo receio em relação ao filme. Afinal, essa produção norte-americana de 2004 é baseada numa pretensa auto-biografia de um escritor que na realidade nunca existiu, o controverso e andrógino J.T. Leroy. Quando o mesmo foi desmascarado, descobriu-se que quem havia escrito todos os seus polêmicos livros era a sua agente e que Leroy na verdade era uma modelo! Ou seja: uma gloriosa picaretagem! Não cheguei a ler os livros do “cara”, mas “Maldito Coração” está muito longe de ser apenas mais um golpe publicitário. O filme traz uma das visões mais viscerais e originais sobre o universo familiar, além de ser um brilhante exercício estético de Ásia Argento, filha do mestre do horror e suspense italiano Dario Argento.
A trama de “Maldito Coração” gira em torno de Jeremiah, um garoto que ainda criança é tirado da tranqüilidade da sua família adotiva para viver com a sua mãe biológica, Sarah, uma junkie contumaz e ninfomaníaca de carteirinha (a própria Ásia Argento, numa primorosa caracterização grotesca e exagerada, como se fosse uma Courtney Love ainda mais enlouquecida). A vida do menino se transforma numa verdadeira descida aos infernos mais aterradores, passando por episódios extremos de sevícias sexuais, violência, abandono, solidão e até mesmo travestismo. Mesmo quando não está nas mãos de sua mãe, Jeremiah passa por poucas e boas, principalmente através do seu avô (numa participação sinistra de Peter Fonda), um fanático religioso dado a espancar seus familiares nos momentos de vacilação da fé dos mesmos (aliás, um dos momentos mais antológicos e absurdos do filme é quando canta “Anarchy In U.K.”, dos Sex Pistols, para o seu primo carola). Toda essa temática barra pesada que ronda “Maldito Coração”, contudo, não faz com que essa obra caia no mero sensacionalismo. A intenção de Ásia Argento é justamente contrapor todo esse rosário de desgraças e perversões com o conceito da união familiar. O resultado de tal diálogo aparentemente paradoxal é perturbador e ao mesmo tempo marcado por uma surpreendente ironia. Quanto mais Jeremiah é maltratado pela mãe, mais o sentimento de cumplicidade e dependência entre os dois fica acentuado, até chegar a um ponto em que os mesmos não conseguem conceber a vida separados. Por mais esquisito que possa parecer, talvez “Maldito Coração” seja um dos filmes que melhor discutiram o núcleo familiar nos últimos tempos.
Mas as ousadias de Ásia Argento não se limitaram apenas ao conteúdo do roteiro. Talvez seja cedo e precipitado dizer que a cineasta tenha atingido o grau de perfeição virtuosística do seu progenitor, mas ela chega perto em algumas belas seqüências de “Maldito Coração”. O seu grande mérito é misturar uma narrativa hiper-realista com trechos de puro delírio e fantasia. O momento em que é atendido em um hospital após ser molestado sexualmente por um dos namorados de sua mãe é exemplar: ao mesmo tempo que começa a receber dolorosos pontos, o garoto começa a ter uma verdadeira viagem psicodélica devido aos sedativos em que chega até mesmo a ver fadinhas, num momento onírico de visual espetacular. De se destacar também o processo de sedução em que se traveste com as roupas de e seduz outro de seus amantes (um irreconhecível Marilyn Manson), confundindo até mesmo o expectador, em um brilhante trabalho de manipulação de imagens por parte de Ásia Argento.
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