O que mais impressiona em “Boyhood – Da infância à juventude”
(2014) não é o uso do recurso narrativo de usar os mesmos atores por mais de 10
anos para narrar a trajetória de amadurecimento de seus personagens. É claro
que isso dá um peso dramático na composição de situações e personagens, mas o
que pega mesmo no filme é que por trás da história de caráter intimista e
realista da produção há um rico subtexto político e cultural que faz um raio x
arguto da sociedade norte-americana contemporânea. Nesse sentido, há grande mérito
por parte do diretor Richard Linklater em não cair, pelo menos em boa parte do
filme, em maniqueísmos ou visões simplórias ao trazer à tona questões
complexas. Por mais que Mason (Ellar Coltrane) seja o protagonista de “Boyhood”,
é a totalidade de sua família (ele, pai, mãe e irmã) que sintetiza aquilo que
Linklater quer evidenciar – liberais em termos políticos e ateus, representam o
oposto ao ideário conservador que Hollywood e a mídia ocidental gostar de propagar
como modelo. Apesar disso, sentem necessidade de se adequar a certos valores e
convenções para poderem sobreviver, ainda que quebrem a cara com isso por vezes
(o fato da mãe casar duas vezes com homens aparentemente respeitáveis, um
professor e um policial, mas que se revelam bêbados violentos é emblemático
disso). Tal concepção temática e textual da produção representa talvez o seu efetivo
lado transgressivo, em um discurso perturbador que desafia inclusive o ideal do
amor romântico. Essa crueza no expor as relações interpessoais bem como na
caracterização de determinadas passagens da trama deixa clara a forte carga humanista
da obra de Linklater.
Se “Boyhood” impressiona pelo seu subtexto, por outro lado
sua estrutura narrativa e formal não acompanha a sua ousadia temática. Não há
grandes arroubos estéticos por parte de Linklater e é provável que essa nunca
tenha sido a sua intenção, pois o caráter de uma ambientação sóbria e
naturalista de um cotidiano familiar/social não exigiria barroquismos ou
estilizações. Ocorre, entretanto, que o próprio Linklater já provou que é possível
conciliar um roteiro de talhe realista com uma narrativa criativa em termos
formais na sensacional trilogia “Antes do amanhecer” (1995), “Antes do pôr-do-sol”
(2004) e “Antes da meia-noite” (2013). Além disso, o cineasta se rende em
alguns momentos a alguns incômodos truques melodramáticos que tiram a fluência
da narrativa.
Os senões que se pode fazer a “Boyhood” são frustrantes em
relação às expectativas positivas que se tinha em relação ao filme. Ainda sim,
é o tipo de obra que traz tantos elementos intrigantes que acaba permanecendo
na mente de quem a assistiu por um bom tempo, fazendo do filme de Linklater um
trabalho memorável como poucos.
3 comentários:
Um dos melhores filmes do ano e a grande virada na carreira de Patricia Arquete
Penso que gostei bem mais do filme do que tu, André. Me pareceu o melhor filme do cineasta. Mas tua última frase deste teu insinuante comentário dá uma abertura de que talvez tenhas amado o filme mais do que pareces sugerir... Eron.
Eu gosto do filme. Algumas ideias e o aludido subtexto do roteiro realmente me chamaram muita a atenção. O que me incomodou foram algumas coisas da encenação, da execução dessas ideias.
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