segunda-feira, maio 16, 2016

O décimo homem, de Daniel Burman ***

Talvez a melhor palavra que possa definir “O décimo homem” (2015) seja ambiguidade. O filme começa em Nova Iorque, em ambientes assépticos e ordenados, com o protagonista Ariel (Alan Sabbagh) prestes a voltar ao seu pais natal, a Argentina, para o que seria uma breve visita. Quando chega em um caótico bairro popular em Buenos Aires, o mesmo local onde passou a infância e a adolescência, o personagem parece entrar em uma espécie de misto de pesadelo kafkaniano e viagem de volta ao passado. Cético e ateu, Ariel vai se enredando cada vez mais na rotina e no universo de indivíduos e situações  que cerca o seu pai, Usher, líder da comunidade judaica do bairro, onde é responsável por questões diversas como alimentação, saúde e ate mesmo a vida sentimental das pessoas. O caráter das ações das principais figuras da trama são sempre nebulosas, não se sabendo precisar o que é legitimo interesse altruísta ou mero interesse comercial. No final das contas, é como tudo se confundisse. E esse é um dos aspectos nos quais a ambigüidade de “O decimo homem” se manifesta. Num sentido geral, daria para dizer que a obra teria uma configuração de conto moral, a mostrar Ariel se obrigando a abrir os olhos para as sua raízes judaicas e para o seu dever junto ao seu povo. Há também, entretanto, uma estranha e sufocante atmosfera de pressão social sobre o protagonista, em que sua individualidade e razão vão sendo reprimidos por ortodoxias místicas e costumes tradicionais. Mesmo na conclusão do filme não fica claro do que se tratou efetivamente a jornada de Ariel. E provável que esse mistério seja um dos fatores que faz de “O décimo homem” uma experiência cinematográfica perturbadora e memorável.

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