quinta-feira, junho 30, 2016

As montanhas se separam, de Jia Zhang-Ke ***1/2

Num primeiro momento, “As montanhas se separam” (2015) pode parecer uma obra em que o diretor chinês Jia Zhang-Ke se volta para uma linguagem cinematográfica mais acessível e convencional, com o cineasta se embrenhando em preceitos típicos do gênero melodrama familiar. Tal impressão, entretanto, é enganadora. Com o desenvolver da narrativa, pode-se perceber uma sutil e irônica desconstrução de clichês formais e temáticos. A obra é repleta de truques emocionais e estéticos que por vezes beiram o novelesco. Só que o tratamento artístico do cineasta na realidade envereda por um misto de caricatura e simbolismo. Numa trama que envolve um triângulo amoroso e relações familiares disfuncionais, há um subtexto de forte caráter crítico às mudanças sociais e existenciais provocadas pelo rápido crescimento econômico da China, principalmente no que diz respeito ao esfacelamento da identidade cultural de um povo. A abordagem do filme é tão autoral que no terceiro e final ato da história irrompe a ambientação de uma sombria ficção científica, sem que isso soe artificial ou esdruxulo – pelo contrário, pois tal atmosfera futurista complementa com notável sensibilidade e coerência a proposta de reflexão sobre uma modernidade desumanizadora. Em sua sequência final, a tomada da protagonista Tao (Zhan Tao), sozinha e serena em sua cozinha fazendo bolinhos tradicionais, fecha com atmosfera de atemporalidade uma obra que mistura planos temporais e gêneros cinematográficos com estranha e encantadora fluência.

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