segunda-feira, junho 12, 2017

Corra!, de Jordan Peele ***1/2

Combinar drama racial com preceitos de horror gótico típicos de cinema B pode parecer uma mistura indigesta em um primeiro momento. Nas mãos do diretor Jordan Peele, entretanto, tudo isso adquire uma estranha coerência. “Corra!” (2017) é uma obra que prima pelo exagero – com direito, inclusive, a passagens no roteiro envolvendo transplantes cerebrais! – mas é justamente nesse aspecto do excesso que o filme se torna tão marcante. A caracterização de personagens, situações e ambientação é ambígua – na superfície, há uma beleza que é asséptica, evocando sempre uma espécie de América “idealizada” e perdida, possivelmente aquela buscada por Donald Trump e seus seguidores, e que esconde também um lado sombrio e degradado na sua moralidade distorcida. Ainda nesse aspecto existencial, mesmo a visão sobre a questão racial na produção é marcada por uma originalidade surpreendente, em que a pró-atividade dos personagens negros na defesa de sua integridade física-moral foge dos caminhos óbvios de uma hipócrita saída conciliadora, além do fato de que o racismo dos vilões da trama esconde na sua gênese uma admiração pela própria figura do negro (afinal, por que os personagens brancos escolheriam passar o resto de suas vidas dentro dos corpos de afro-americanos?). No mais, a narrativa é marcada por encenação e atmosfera elaboradas a partir de uma uma dinâmica tensa e brutal, beirando por vezes o barroco e o delirante nas nuances visuais de algumas sequências. 

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